Variedades

O ‘Rodin’ de Benoît Jacquot é um gênio devorado pela sensualidade

Em Cannes, em maio, Benoît Jacquot contou como foi cooptado para fazer um documentário de TV sobre o escultor Auguste Rodin. Ele pesquisou muito, documentou-se. Descobriu aspectos da vida do artista que lhe interessaram muito. O documentário não saiu. Jacquot achou que seria desperdício não encarar todo aquele esforço. Só que, por uma questão de temperamento, decidiu que seria melhor abordar o assunto como ficção. “Teria mais liberdade”, avaliou.

Rodin, que estreia nesta quinta-feira, 21, foi um dos concorrentes franceses na seleção do 70.º Festival de Cannes, em maio. Simultaneamente, em Paris, o Grand Palais abrigava (até 31 de julho) uma grande exposição comemorativa do centenário de morte do grande Auguste – 17 de novembro de 1917. Todo Rodin reunido no museu nacional francês, incluindo a estátua – projetada para ser um monumento fúnebre – do escritor Victor Hugo. Na época, ela provocou reações viscerais, quase sempre de rejeição. Com o tempo, virou um marco definidor da escultura moderna. “Rodin estava adiante de sua época”, sentenciou o diretor.

Como artista, ele podia, realmente, estar adiante, mas foi um típico homem de seu tempo – machista. Viveu a vida toda com uma mulher, e só in extremis reconheceu a união. Seu filho permaneceu bastardo – e, na ficção de Benoît Jacquot, ele provoca a ira do pai ao tentar tirar proveito material da sua produção artística. Como mestre, Rodin coleciona discípulas em seu ateliê, inclusive uma certa Camile Claudel. Jacquot, não encampa a tese feminista de Bruno Nuytten, que, em seu longa com Isabelle Adjani, levanta a tese de que ela era maior, como criadora. Controvérsias à parte, Camille cavou seu lugar na história da arte – a exposição do Grand Palais abriga parte de sua produção, mas sem sugerir que ela influenciou Rodin (como fazem Isabelle Adjani e seu ex, o diretor Nuytten).

Jacquot admitiu que, quando resolveu levar adiante seu Rodin, a iniciativa despertou uma onda de dúvida. “Será? Gérard Depardieu marcou tanto no papel que os produtores, inicialmente, duvidavam que outro ator pudesse se estabelecer no imaginário do público.” Entrou em cena Vincent Lindon, que há dois anos ganhou o prêmio de interpretação em Cannes por O Valor de Um Homem, de Stéphane Brizé. Lindon considera-se um operário da interpretação. Detesta o jogo das celebridades. Ele se jogou por inteiro no papel. Fez laboratório e, praticando cinco horas por dia, tornou-se escultor. “Je suis Rodin, Sou Rodin”, disse ele em Cannes. E Izia Higelin, que faz Camille Claudel – “O cara é tão obsessivo que, até nos intervalos de filmagem, esculpia. No final da rodagem, poderíamos ter feito uma grande exposição de seu trabalho. Haveria muito o que mostrar, e da melhor qualidade.”

Izia chegou a sugerir que Lindon é gênio, como Rodin. E divertiu a imprensa mundial ao revelar que não fazia a menor ideia de quem era Benoît Jacquot. “Nunca havia visto um filme dele, mas Benoît me viu em A Bela Estação (de Catherine Corsini) e resolveu me testar. Só que foi o teste mais inusitado que já fiz. Saímos para comer, e conversamos por duas ou três horas. Não falamos sobre o filme, nem sobre Camille Claudel. Falamos sobre a vida, o mundo. No final, ele me disse que era o que queria. Estava contratada.” O filme inicia-se num momento especial da vida e obra de Rodin. Aos 42, ele recebe sua primeira encomenda do Estado, e é a famosa Porta do Inferno, com elementos emprestados de Dante. Nessa mesma época, acolhe Camille Claudel em seu ateliê. Embora machista, trata-a como igual, em termos de sua arte. Mas a relação é complicada.

Dez anos de rupturas e reaproximações, até que ela decide pôr fim à relação. Na arte e na vida, Camille nunca mais irá se recuperar, e o próprio Rodin sai dessa relação como um homem marcado – ferido. É o que interessa a Jacquot. Seu Rodin é um artista potente, e um homem que exerce sua intensa sensualidade – na arte como na vida.

Esculpir, na pedra, a carne. Vivenciar seus prazeres. A fratura amorosa, somada à rejeição do seu Victor Hugo, o levam ao limite. O artista contra o mundo, em defesa de suas convicções. Quando o filme foi selecionado para Cannes e chegou ao festival, havia grande expectativa. Falava-se num novo prêmio para Lindon, quem sabe até a Palma de Ouro. Nem um nem a outra. Isso significa que Rodin decepcionou? Em termos. A imprensa mundial não foi cooptada pelo filme, mas Jacquot e Lindon entenderam-se às mil maravilhas. Planejam juntos, agora, e na mesma vertente erótica, um Casanova.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Posso ajudar?