Alguns anos depois que o pai de Roberto Menescal morreu, uma espécie de diário foi encontrado em seus pertences. Ele dizia para os irmãos cuidarem da ovelha desgarrada que não largava o violão. Estava preocupado com o salário do garoto que queria tanto ganhar a vida com música naqueles anos 1950. Quem sabe não o convenciam a ser um engenheiro?
A lembrança faz Menescal sorrir. “Ele devia dizer o contrário, o músico é quem ajudaria os irmãos”, brinca. A música vingou na vida de um artista que esteve em muitos pontos-chave das revoluções culturais pós-era do rádio. Menescal levava o violão para o apartamento de Nara Leão, na Avenida Atlântica, em Copacabana. Estava lá quando tudo surgiu, ao lado de Tom Jobim, Carlos Lyra, Vinicius de Moraes, Ronaldo Bôscoli, Luiz Eça, Luiz Carlos Vinhas, Bebeto Castilho, Hélcio Milito, Eumir Deodato, Oscar Castro Neves, Edison Machado, Wilson das Neves, Antônio Adolfo, João Donato, João Gilberto, Elis Regina.
Ao chegar aos 80 anos, que serão arredondados em 25 de outubro, Menesca, como ficou conhecido, sai em temporadas por São Paulo, Rio e Brasília, com uma série de convidados que estarão a serviço de canções que fizeram parte de sua história. “Não serão necessariamente músicas minhas, mas aquelas que marcaram essa trajetória”, ele diz. Depois de concluir uma temporada em Brasília, de 8 a 10 deste mês, ele fica de hoje (21) a domingo, no Centro Cultural Banco do Brasil, passando sua história a limpo. Hoje, às 13h, se apresenta com Ivan Lins e Leila Pinheiro. Amanhã, às 20h, chama Simoninha e Sabrina Parlatore. No dia 23, sábado, no mesmo horário, estará com o saxofonista Leo Gandelman e os cantores Lula Galvão e Cris Delanno. E, no domingo, 24, terá duas gerações de bossa novistas no palco, Marcos Valle e Fernanda Takai (sim, seu canto pode ser considerado daquela mesma escola).
A importância da geração de Menescal, vista muitas vezes como aquela que elaborou uma linguagem respeitável porém datada, vai além de banquinhos e barquinhos. Logo depois da chegada de João Gilberto às rádios, em 1959, com a gravação de seu LP Chega de Saudade, o efeito bossa nova teria implicações dentro e fora do Brasil. Aqui, os músicos migravam seus talentos para a criação de canções em um formato de excelência harmônica, canto retraído e poética bucólica tendo a zona sul do Rio de Janeiro como cenário. Lá fora, o mundo conhecia não mais o Brasil exótico, mas uma potência cultural. Até então, norte-americanos e europeus faziam uma grande confusão com a imagem e o ritmo de Carmen Miranda, misturando samba a calipso ou chá chá chá como se fosse tudo música do mesmo balaio.
Menescal coloca mais um feito em sua conta. “Foi essa nossa geração que mostrou que os jovens classe média dos apartamentos do Rio poderiam fazer uma música relevante.” Sim, até então a produção popular legitimada estava, sobretudo, nas mãos dos grandes sambistas das esferas mais abaixo dos apartamentos da Avenida Atlântica. Noel Rosa, Ismael Silva, Nelson Cavaquinho, Cartola, Wilson Baptista. Havia duas décadas que Luiz Gonzaga saíra do sertão de Exu, em Pernambuco, para espalhar seu baião pelo País. O Brasil reconhecia-se na música caipira, no choro, no samba-canção e no folclorismo que brotava do chão. Os bossa novistas mudaram o eixo social da criação e colocaram o Rio de Janeiro em um estágio de musa inspiradora como não teria em nenhum outro momento da MPB.
Violonista de uma época em que as seis cordas eram esconderijo de desocupados e, mais tarde, guitarrista em uma era em que instrumentos ligados na tomada eram símbolo do imperialismo cultural norte-americano, Menescal diz que jamais sentiu olhares tortos em sua direção, nem quando dirigiu o grupo que acompanhava Elis Regina. “Jamais senti isso, acho que havia um respeito ao que fazíamos ali.”
Depois de assinar mais de 400 canções, muitas em parceria com Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli, Aldir Blanc, Chico Buarque e João Donato, Menesca acompanharia outro momento importante ao se estabelecer como diretor musical e artístico da gravadora Polygram a partir de 1970, vendo surgir ou dando forma a discos de Raul Seixas, Elis, Caetano e Gil. Com estúdio próprio, ele segue olhando para artistas jovens que o contratam para produções e em shows de bossa nova, sobretudo no Japão, o único país do mundo onde a Bossa Nova nunca ficou datada.
Além dos shows, ele produz ainda um CD e um DVD para ser lançado até o final do ano, com artistas interpretando suas canções, como Ney Matogrosso e Fernanda Takai. Suas muitas histórias devem ser lançadas em formato biografia pela prima Claudia Menescal.
DIAS DE LUZ, FESTA DE SOL
De hoje a domingo, no CCBB.
Hoje, 13h. De amanhã a domingo, 20h. Rua Álvares Penteado, 112 3113-3651. Preço: R$ 20 e R$ 10
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.