Enfrentando um processo de despejo por conta de pagamentos atrasados, João Gilberto deixou o apartamento em que morava, no Leblon, na zona sul do Rio. O músico foi levado para um imóvel cedido por uma amiga da família. Aos 86 anos, ele vive numa situação de fragilidade física e mental, agravada pela condição de miserabilidade financeira, relatou nesta quarta-feira, 2, a advogada de sua filha Bebel Gilberto, Simone Kamenetz.
Desde o fim do ano passado a cantora está na Justiça para interditar o pai. É uma forma de cuidar de sua saúde e resguardar suas finanças – pilar da música brasileira, e apesar de ter feito um acordo milionário com o banco Opportunity em 2013, como adiantamento do valor a ser ganho por uma ação contra a gravadora EMI dois anos depois, João não tem recursos sequer para ter um plano de saúde.
O cantor tem uma hérnia não tratada e não se submete a exames. Bebel, que mora em Nova York, conseguiu que duas médicas, uma geriatra e uma psiquiatra com experiência em idosos, fossem até ele, vencendo, aos poucos, sua resistência. “Ele está doente. Temos todo o cuidado no mundo para chegar ao João e tratá-lo. Bebel está tentando que ele faça exames. Não adianta pegar à força”, ponderou a advogada. O caso corre em segredo na 5ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio.
As dificuldades se dão porque João, como se sabe, é recluso há anos. “Bebel não quer internar o pai, e sim ver o que pode ser feito em casa. Ele não pode ficar assustado, com medo. O juiz está muito cuidadoso, por se tratar de uma pessoa idosa. Está preocupado”, afirmou Simone. “O que antes era tido como uma excentricidade (não sair de casa) já se tornou uma condição mental. Piorou com a idade. A capacidade cognitiva dele está muito prejudicada. Ele não tem condições de administrar a própria vida.”
A Justiça autorizou o arrombamento do apartamento do Leblon para que João fosse citado quanto ao processo de interdição e também para que seu estado fosse avaliado devidamente. Mas ao entrar no imóvel as oficiais constataram que sua condição mental o impedia de compreender o que se passava. Nesses casos, o procedimento é não realizar a citação.
Na ocasião, no mês passado, não houve necessidade de a porta ser aberta à força: para preservar João, uma data foi acertada previamente, e uma pessoa de sua confiança ficou no apartamento e abriu a porta para a entrada da equipe. Da mesma forma, não houve despejo: o cantor foi convencido a deixar o imóvel antes que isso acontecesse.
Há duas semanas, a advogada de Bebel leu no jornal “O Estado de S. Paulo” a entrevista de João Marcelo Gilberto, primogênito de João, em que ele afirmou ter sido excluído das decisões sobre o pai. Simone negou que Bebel tenha alijado o irmão das decisões referentes ao processo de interdição. “O que João Marcelo disse não é verdade. Ele foi procurado, estivemos com o advogado dele. Ele não foi excluído, ele se excluiu. O processo tem custos que devem ser compartilhados entre os dois, e ele deu a entender que não teria interesse em patrocinar isso”, contou Simone.
Antes do início do processo de interdição, João Marcelo entrara com uma ação de alimentos tendo como beneficiária sua filha caçula, de dois anos. Conforme explicou ao jornal, o objetivo não era pleitear uma pensão de João Gilberto para a neta, e sim ter acesso aos números da vida financeira dele. Para o irmão, Bebel quer ter o controle desses dados sozinha, e lhe sonega informações.
Segundo Simone, a explicação de João Marcelo não faz sentido, uma vez que ele tem acesso à situação patrimonial do pai por estar citado na ação de interdição, como parte interessada que é. Como ele mora nos Estados Unidos, bastaria fazê-lo por meio de seu advogado, ela disse.
“Bebel não está fazendo nada por dinheiro. Não há espólio a ser dividido, o estado é de penúria financeira”, disse Simone. “João Gilberto recebeu R$ 5 milhões do Opportunity em 2013, não poderia estar na situação que está hoje, sofrendo despejo, sem seguro saúde. Ainda mais se você pensar que ele não tem luxo algum, não viaja, não compra apartamento. Se há um patrimônio oculto, Bebel não o conhece. A preocupação do João Marcelo é injustificada. Ele tem todo o direito de conhecer o patrimônio do pai, basta entrar no processo.”
O Estado procurou João Marcelo Gilberto nesta quarta-feira, mas não conseguiu contato. Na entrevista que deu ao jornal, ele se disse triste e preocupado com o pai. “Gostaria que ele tivesse um final de vida feliz e tranquilo, e sei que posso contribuir muito nesse sentido, desde que pessoas agora próximas a ele não façam esforço em me afastar”, declarou.