Variedades

O futuro é coletivo

Com a economia patinando e o desemprego batendo recordes, surge um novo elenco de estilistas empreendedores oferecendo roupas com design, em marcas legais, pequenas e autorais. A maioria delas está baseada em modelos de negócios enxutos, voltados à venda online e à comunicação digital. É claro que está super na moda comprar desses designers, que prezam por técnicas de produção sustentáveis, renovam os básicos do streetwear de um jeito cool e adotam discursos políticos e sociais que dão um certo propósito ao consumo. Alguns deles agora ganham protagonismo no São Paulo Fashion Week, que começa no dia 22 e vai até dia 27, no espaço Arca, na Vila Leopoldina.

Nesta temporada, estreiam cinco marcas: Haight, Neriage, Flavia Aranha, Another Place e Också. Em compensação, a Osklen e a Água de Coco, duas das mais importantes do evento, já avisaram que não vão participar. “Há uma disrupção tão grande na forma de criar, de vender, de consumir. Precisamos ter flexibilidade e entender que, enquanto algumas marcas se lançam, outras se recolhem para um momento de rearranjo, seja por questões financeiras seja por questões de imagem”, diz Paulo Borges, idealizador do evento.

Com as ausências, a curadoria que preza por estilistas renomados e marcas consolidadas acabou pendendo para o lado dos novos designers. Como os chamados microinfluenciadores, que contam com a confiança e o engajamento da audiência, essa turma de estilistas é referência nas redes e usa a passarela como um canal de comunicação – ao mesmo tempo que os consumidores agem como editores e críticos. Tudo está em cena para ser compartilhado e debatido. “Antigamente, todo mundo sonhava em ser Tufi Duek. Já essa geração quer trabalhar com propósito, é menos individualista”, diz Paulo Borges.

Batizada de “Ensaio Sobre Nós”, a coleção de estreia da Neriage no evento, assinada por Rafaella Caniello, é um exemplo de força coletiva. Utiliza tecidos naturais com plissados e texturas criados por técnicas complexas e tingimentos manuais. “A riqueza da nossa roupa está no processo. Uma peça é resultado do trabalho de até 15 pessoas. Por isso, quando me refiro à Neriage, falo sempre no plural”, afirma Rafaella.

Flavia Aranha, outra estreante no evento, também não fala apenas por si. Nome emblemático da moda sustentável, Flavia fará de seu desfile uma crítica ao governo, que cortou projetos em dezenas de cooperativas artesanais. “A coleção será um resgate dos meus 10 anos de moda. Trarei tecidos tingidos com pau-brasil, peças feitas de algodão orgânico da Paraíba e do Ceará e detalhes em marchetaria do Acre”, diz.

Entre os nomes que já integram a semana de moda e brilharam recentemente, destacam-se Pedro Andrade, André Boffano, Rafael Varandas e Acácio Mendes. Pedro tem 28 anos, é dono da Piet, marca que mistura elementos formais de alfaiataria com toques esportivos e assina parcerias com gigantes como Nike, Rider e NBA. Para esse segundo desfile, decidiu desconstruir uniformes de operários, oficiais, técnicos e alunos, brincando com a ideia da moda desuniformizada. “Meu desfile é um statement para o posicionamento da marca, uma maneira de ganhar visibilidade, inclusive, no exterior.”

Há duas temporadas na semana de moda, a Modem, de André Boffano, faz uma intersecção com o universo das artes, para criar uma moda feminina elegante e moderna, usando couro, tricô, alfaiataria e seda. Formado em Paris, na Ecole de la Chambre Syndicale de la Couture, o estilista diz que o importante é contar uma história convincente sem cair em clichês. Todos concordam.

Ótimos contadores de história, Rafael Varandas e Acácio Mendes, sócios da Cotton Project, inspiraram-se no montanhismo para falar nesta temporada da contracultura ligada aos esportes de ação. A marca, que permeia o lifestyle do surf e do skate, dessa vez mergulha no universo da escalada, lembrando dos beatniks que fugiam dos centros urbanos rumo às montanhas. “As imagens geradas no desfile acabam abastecendo as redes sociais e ganhando vários desdobramentos”, conta Rafael Varandas. “Hoje o papel do desfile é criar um branded content, um storytelling da marca”, completa Paulo Borges.

Para os novos criadores, não se trata só de moda, mas exercício criativo completo. Muitos entendem de fotografia, cenografia, música, design gráfico. E quando não entendem, contam com os amigos para produzir cenas instagramáveis, com boa repercussão. Lá fora, onde o budget das grifes internacionais beira o infinito, já foi decretada a volta do desfile-espetáculo. Por aqui, a passarela pode atrair likes pelo casting estrelado, pela suntuosidade do cenário ou apenas pela criatividade. “Um desfile na SPFW hoje pode custar de R$ 30 mil a R$ 1,5 milhão”, revela Paulo. “Estabelecemos uma régua para manter um padrão de qualidade, mas nós sempre atuamos como uma plataforma plural.”

Dados recentes do Sebrae indicam que as pequenas empresas contribuem com 94% dos empreendimentos na área. A cadeia produtiva da moda emprega em torno de 2 milhões de pessoas no País e faturou cerca de R$ 197 bilhões em 2017. “Quando comecei, era ruim ser pequeno. Então, veio a crise. Agora, no Brasil, quanto maior a marca, maior o problema”, diz João Pimenta, um veterano com mais de 20 desfiles no SPFW.

João é referência para a nova geração sob vários aspectos, em especial pela forma poética com que toca em temas sociais. No próximo desfile, tratará da questão dos gêneros (assunto recorrente em sua obra) reconstruindo uniformes militares. “Transformei fardas em jardins, criei estampas camufladas e terei trans desfilando.”

As novatas Också e Another Place seguirão a mesma linha de raciocínio, questionando a divisão entre os guarda-roupas masculino e o feminino. Nesse mundo de mensagens fragmentadas e rápidas, quanto mais vozes ativas, mais volume e amplitude o discurso ganha.

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