Economia

Arbitragem pode restringir atuação de minoritários

Tramita no Legislativo um projeto de lei sobre arbitragem que poderá restringir o ativismo minoritário no Brasil. O projeto determina que, caso exista uma cláusula arbitral no estatuto de uma companhia, o minoritário está sujeito a ela de forma automática, mesmo sem uma anuência expressa. Sua outra alternativa é deixar a empresa. Com isso, os conflitos societários nas empresas que optem pela cláusula arbitral passarão a ser resolvidos necessariamente via arbitragem, caminho mais rápido, porém muito mais caro do que a via judicial, o que reduzirá ainda mais a chance de manifestação dos minoritários em disputas societárias.

Hoje os poucos acionistas que recorrem aos tribunais no Brasil enfrentam disputas longas e complexas, mas mesmo assim especialistas em direito societário consultados pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado, avaliam que suas chances de buscar justiça serão ainda menores com a aprovação do projeto sobre arbitragem, uma vez que os altos custos inibirão sua atuação.

Segundo especialistas, o custo de uma arbitragem pode facilmente superar R$ 1 milhão, pois inclui as câmaras de arbitragem e os árbitros, que chegam a cobrar R$ 500 por hora, além dos escritórios de advocacia e taxas. Outra diferença com a via judicial é que a arbitragem não é pública, e somente as partes envolvidas têm acesso a seu andamento. Para as companhias abertas, o foro das disputas societárias é a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), da BM&FBovespa.

Raphael Martins, advogado do Faoro & Fucci Advogados, que atua em casos envolvendo minoritários no Brasil, avalia que o compromisso arbitral é importante para o investidor institucional, principalmente devido à qualidade e agilidade desta via. Para o pequeno investidor, no entanto, a existência do compromisso arbitral pode caracterizar, sim, uma barreira ao acesso à justiça, tendo em vista os custos envolvidos, avalia.

“É bem provável que os pequenos investidores deixem de demandar seus direitos, se eles perceberem que será mais caro promover o procedimento de arbitragem do que aquilo que eles teriam direito de receber ao final da demanda”, afirmou Marcelo Godke, sócio especializado em governança corporativa do escritório Godke Silva & Rocha Advogados. Segundo ele, o Brasil seria o único país do mundo a adotar este padrão.

Para o advogado especializado em mercado de capitais Erik Oioli, do escritório Vaz, Barreto, Shingaki & Oioli, a arbitragem é eficaz quando as duas partes têm poder financeiro equiparável, o que não costuma ser o caso das companhias e seus acionistas minoritários. “Se uma das partes tem restrições orçamentárias, vai pensar duas vezes antes de ir para a arbitragem”, disse.

O projeto número 7108/2014, da autoria de Renan Calheiros, tem como objetivo ampliar o âmbito de atuação da arbitragem para solução de conflitos, e aborda o uso da arbitragem em áreas como direito do consumidor e em contratos da administração pública. A parte que trata dos conflitos societários é um trecho que inclui na lei das S/A o artigo 136. O projeto tramita na Câmara dos Deputados e os especialistas não esperam sua aprovação antes do ano que vem.

Este artigo 136 prevê o direito de retirada dos acionistas dissidentes, mediante o reembolso do valor de suas ações. No entanto, este direito não se aplica a empresas de segmento especial de listagem da bolsa de valores nem às que vão migrar para este tipo de segmento. O direito de retirada também não se aplicará em empresas que têm “liquidez e dispersão no mercado”, pois nestes casos o investidor pode vender os papéis no mercado. Os advogados explicam que este direito de retirada é a grande “novidade” do projeto de lei, a qual tira as dúvidas sobre o alcance da cláusula arbitral.

Atualmente, todas as empresas do Novo Mercado têm a cláusula arbitral em seu estatuto, pois esta é uma das condições para as companhias participarem deste nível de governança corporativa. No entanto, existe uma discussão no meio jurídico sobre a possibilidade de minoritários discordarem desta cláusula. Enquanto alguns especialistas defendem que todos estão sujeitos à cláusula quando aceitam ser acionistas, outros acreditam que o minoritário não está sujeito caso se manifeste contrariamente.

Com a aprovação do projeto de lei da arbitragem, deixaria de existir esta discussão, ficando definida a sujeição do minoritário. “O artigo 136 acaba com a discussão de que a cláusula arbitral se aplica a minoritário que dela se dissentiu”, afirmou Walfrido Jorge Warde Junior, sócio do escritório Lehmann, Warde & Monteiro de Castro Advogados. Em sua visão, a medida reduz a afirmação do direito das minorias. “Só quando tem dinheiro pode ocorrer o litígio? Não pode ser desta forma.”

Além de receber críticas, o projeto levanta a polêmica sobre o desempenho do judiciário em litígios societárias. O sócio responsável pela área de Contencioso e CEO de TozziniFreire Advogados, Fernando Serec, lembra que brigas societárias na Justiça têm durado anos e também gerado altas despesas. “Não sei qual é a vantagem de ir para a Justiça, se os minoritários não têm se saído bem nas questões liminares e ficam esperando dez, doze anos para uma resolução.” Ele defende que a arbitragem é a melhor alternativa, independente da questão dos custos, devido à celeridade e a qualificação dos árbitros.

Os advogados citaram o exemplo norte-americano como algo a ser perseguido pelo Brasil, pois nos Estados Unidos existem cortes especializadas em direito societário, onde o tratamento destas questões é mais eficiente e também mais célere. No Brasil, começou a surgir algo parecido nos últimos anos, com a criação de duas Câmaras Reservadas de Direito Empresarial no Tribunal de Justiça de São Paulo, que são bastante elogiadas pelos advogados que atuam nesta área por serem céleres e especializadas. “Foi um sucesso muito grande, e é para isso que temos que caminhar”, afirma Warde Júnior.

Procurada pela reportagem, a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) declarou que não está acompanhando o assunto, e por isso não iria comentar.

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