Sob a ameaça de derrota na votação de um destaque (sugestão de mudança no texto) da medida provisória que prorroga o Repetro, a base aliada do governo na Câmara firmou na noite desta segunda-feira, 5, um acordo com representantes da indústria para engessar na lei os porcentuais de conteúdo local que serão exigidos no setor de óleo e gás – alguns até maiores do que os atuais.
Em uma costura que durou mais de uma hora no plenário da Casa, a liderança do governo deu o sinal verde para a apresentação de um projeto de lei para atender às demandas da indústria e criar uma espécie de reserva de mercado para os fabricantes locais. O acordo deve ser levado ao presidente Michel Temer nesta quarta-feira, mas não tem o aval da área econômica, segundo apurou o Broadcast.
A negociação ocorre em meio à corrida do governo para conseguir os votos necessários para a aprovação da reforma da Previdência. O prazo exíguo para a votação da MP do Repetro – programa que suspende a cobrança de tributos federais na importação de equipamentos do setor de óleo e gás – também jogou a favor dos representantes da indústria, que fizeram corpo a corpo no plenário e pressionaram pelo acordo. A MP norteou os lances das companhias de petróleo, principalmente estrangeiras, nos últimos leilões do setor e precisa ser votada até 15 de dezembro para não perder a validade – o que traria insegurança para os investimentos futuros.
O acerto prevê que a base aliada abra mão de aprovar uma emenda do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS) que previa a suspensão do benefício da desoneração tributária quando o equipamento importado tivesse um produto similar no Brasil. A emenda tinha como objetivo assegurar a participação da indústria brasileira na cadeia produtiva do setor de óleo e gás e tinha apoio da base e da oposição, segundo o presidente-executivo do Instituto Aço Brasil (IABr), Marco Polo de Mello Lopes, um dos representantes da indústria que trabalhou intensamente no acordo. A derrubada dessa emenda abre caminho para que a votação da MP do Repetro seja concluída na Câmara e siga logo para o Senado.
Em troca, os setores de aço e de máquinas e equipamentos conseguiram arrancar dos líderes o compromisso por um instrumento alternativo, que vai engessar os porcentuais de conteúdo local diretamente na lei. Hoje, esses porcentuais são definidos pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), prerrogativa que o colegiado vai perder se o projeto de lei for aprovado. Na prática, isso cria uma reserva de mercado para a indústria local. Além disso, o projeto deve contemplar uma demanda antiga da indústria: a separação dos porcentuais por tipo de contratação, de serviços ou de equipamentos.
Segundo o presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, os porcentuais que constarão no projeto de lei serão: em poços, conteúdo local de 25% em serviços e 40% em equipamentos; na coleta e no escoamento (subsea), 40% tanto nos serviços quanto nos equipamentos; e nas plataformas, 25% em serviços e 40% em equipamentos. No caso de poços e plataformas, a proposta gera uma obrigação maior do setor de óleo e gás com a aquisição de equipamentos nacionais, uma vez que os porcentuais atuais são de 25%.
“Aceitamos a tributação sobre os produtos nacionais em troca do conteúdo local”, disse Velloso, também presente no plenário da Câmara. “A ideia é criar os porcentuais na lei. Vamos ao presidente pegar o aval amanhã para votar a urgência. Rodrigo (Maia, presidente da Câmara) disse que vota a urgência amanhã. O acordo é para votar urgência amanhã e o mérito na semana que vem”, afirmou Goergen, que deve ser o autor do projeto de lei.
No momento da negociação do acordo, estavam presentes parlamentares de PMDB, PP, PSDB e PR. O líder do governo na Câmara, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), confirmou que a intenção é votar a urgência desse projeto de lei amanhã, mas ressaltou que a pauta tem outras propostas na frente. O relator da MP, deputado Julio Lopes (PP-RJ), afirmou que o acordo “uniu todos os partidos da base” em prol do projeto de lei sobre conteúdo local e “outras questões” relacionadas com o setor.
O acordo selado pela base aliada tem potencial para reavivar a briga entre governo, o setor de óleo e gás e a indústria de máquinas. A avaliação do setor de petróleo é que exigências de conteúdo local incompatíveis com a capacidade de fornecimento do mercado reduzem a atratividade dos projetos, além de provocar atrasos no cronograma – impactando a atividade econômica e a geração de empregos. As regras hoje vigentes já haviam sido discutidas com as companhias de petróleo e foram baseadas em índices alcançados pelas empresas nos últimos anos.
No governo Dilma Rousseff, chegou-se a exigir 75% de conteúdo local em alguns casos. Além disso, o porcentual de componentes nacionais nos investimentos em equipamentos e serviços figurou como critério de desempate nos leilões realizados durante a gestão petista. Isso incentivou as petroleiras a oferecerem porcentuais muito elevados, que depois não conseguiam atingir. As empresas começaram a ser multadas em valores elevados e enfileiraram pedidos à Agência Nacional de Petróleo (ANP) por dispensa do cumprimento das exigências (o chamado waiver).
O próprio Tribunal de Contas da União (TCU) teceu críticas à política de conteúdo local praticada nos últimos anos. Para a corte de contas, os índices eram estabelecidos sem estudos técnicos direcionados. Além disso, o TCU apontou que a política contava com objetivos genéricos, sem metas e métricas que pudessem mensurar seus resultados e impactos na indústria nacional.