Economia

Aos 81 anos, o primeiro emprego formal

Faz 68 anos que Alcidio Serra trabalha na construção de calçadas portuguesas. Na cidade de Americana, no interior paulista, por todo o lado há um pedacinho de chão desenhado por ele. A fama de seus mosaicos coloridos é tão grande que, aos 81 anos, recebeu proposta de emprego de uma empresa de construção civil local e assinará pela primeira vez na vida um contrato formal de trabalho.

Apesar de inusitada, histórias como essa não são raras no País. De acordo com dados do Ministério do Trabalho obtidos pelo Estado, este ano, de janeiro a outubro, 38 pessoas com 81 anos ou mais conseguiram o primeiro emprego com carteira assinada. O que chama a atenção é a oportunidade conquistada por pessoas da idade de Serra no ano em que a criação de vagas formais pelo setor privado até outubro é tão baixa que foi considerada estatisticamente irrelevante pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Quando os engenheiros da empresa Seven Empreendimentos souberam – pela indicação de um arquiteto conhecido na cidade – da qualidade do trabalho de Serra, ou “Seu Sega”, como é conhecido entre os americanenses, decidiram contratá-lo no mesmo dia. O registro em carteira saiu nesta quinta-feira, 21. O serviço será fazer um piso de pedras nas cores branca e marrom, em uma área de quase mil metros quadrados no andar térreo de um edifício de alto padrão que será lançado em abril do ano que vem na cidade.

Foi a técnica artesanal dos desenhos em ladrilho de Seu Sega que impressionou Leandro Ferraz Leite, diretor executivo da Seven e responsável pela obra. Segundo ele, construir calçadas portuguesas é um trabalho delicado e requer mão de obra especializada, que anda cada vez mais em falta. Em Americana, garante, ninguém faz o serviço com a mesma qualidade do que faz Seu Sega. “Com essa idade então, nem pensar. No exame admissional, a médica se espantou com a energia dele. Ele é forte e tem saúde de um homem de uns 40 anos”, afirma Leite.

O contrato vai durar até o fim da obra, mas Leite afirma que já tem planos de mantê-lo na equipe para serviços futuros. “Enquanto Seu Sega estiver disposto para o trabalho, quereremos contar com ele na equipe.” Aposentado desde 1983, com um salário mínimo, Seu Sega nunca deixou de trabalhar. Para ele, exercer seu ofício de calceteiro “é o que dá sentido à sua vida”. No dia 10 de novembro, esteve no Poupatempo da cidade para tirar a primeira carteira de trabalho, documento que nunca teve nas quase sete décadas de profissão por sempre ter atuado como autônomo. Sem nunca ter tirado nem um mês sequer de férias, ele conta que sempre deu um jeito de pagar as parcelas do carnê do INSS em dia para ter um “mínimo de renda garantida todos os meses”.

O salário no novo emprego será de R$ 1.729, quase o dobro do que recebe de aposentadoria hoje. Para ele, o dinheiro, o plano de saúde e os outros benefícios serão uma “bênção” para a sua família, que vive uma época de aperto financeiro. Sem conseguir trabalho suficiente nos últimos meses, segundo ele, “por causa da crise econômica que atingiu a cidade”, o calceteiro conta que gasta mais de R$ 300 por mês só comprando remédios para a mulher, Fernanda Serra, dez anos mais nova do que ele, que sofre de arritmia e diabetes. “Viver está muito caro, e nossas aposentadorias, juntas, não dão conta de cobrir todas as nossas necessidades.”

Aprendiz. A disposição para o trabalho é o que mais chama a atenção em Seu Sega. Nascido em Sumaré em 1936, perdeu o pai aos 10 anos, e teve de largar a escola e começar a trabalhar cedo para ajudar no sustento da casa. Nessa mesma época, começou a aprender o ofício dos irmãos mais velhos: desenhar calçadas com ladrilhos coloridos do tipo português. Ficou “tão bom” na tarefa que, aos 13 anos, se tornou sócio na empresa dos irmãos e logo depois conquistou os próprios clientes e foi trabalhar sozinho.

Sua rotina de trabalho se repete há 71 anos. Levanta sempre muito cedo, lá pelas 5 horas. Toma café e já corre para o trabalho, sempre equipado com chapéu de palha e guarda-sol para se proteger do calor. Na sua melhor fase, conseguiu ganhar mais de R$ 200 por dia. E cada hora estava em um lugar diferente: mesmo sem nunca ter feito um curso, se aperfeiçoou na arte de calceteiro a ponto de ser procurado para produzir calçadas em diferentes cidades do interior paulista. A melhor parte, diz, é quando pedem um tracejado diferente: “Aumenta o desafio”. “Meu orgulho é uma calçada toda desenhada em frente à igreja matriz de Iracemápolis. Ali, eu me esmerei muito, trabalhei vários dias das 6 horas até as 22 horas”, relembra. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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