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Em luta por terra, aldeias do Jaraguá convivem com sujeira e doenças

No chão de terra batida, as centenas de cães e gatos abandonados dividem espaço com sacos de lixo, embalagens plásticas usadas, roupas rasgadas, objetos queimados, restos de comida e fezes de animais. Nas travessas e vielas que formam a comunidade, predominam as casas simples, de madeira, sem banheiro privado nem saneamento adequado. Em alguns trechos, o esgoto fica a céu aberto, no mesmo terreno onde crianças brincam. A sujeira e os problemas de pele expostos no rosto e no corpo dos pequenos denunciam os riscos que aquele solo traz à saúde.

A precariedade não é de uma favela ou vilarejo pobre do interior. Retrata, na verdade, as aldeias vizinhas ao Parque Estadual do Jaraguá, na zona norte de capital paulista, onde vivem cerca de 700 índios. O grupo chamou a atenção no último mês ao protestar pela regularização de suas terras. Eles chegaram a subir o Pico do Jaraguá e ocupar o espaço onde ficam as antenas de telecomunicações.

Mas a luta da comunidade é diária. Sem a demarcação oficial da maior parte do território onde vivem, os guaranis têm dificuldades para ter acesso a serviços básicos e manter práticas típicas da tribo. “Não há espaço para plantios nem atividades culturais. Os jovens ficam sem perspectiva. Metade dos adultos está desempregada, principalmente porque sofremos preconceito no mercado de trabalho”, conta Thiago Henrique Karaí Djekupe, de 23 anos, uma das lideranças dos indígenas. Entre os índios desempregados, boa parte sobrevive do Bolsa Família ou da venda de artesanato.

A formação escolar no local é precária. Há uma escola estadual dentro de em uma das quatro aldeias em que os guaranis do Jaraguá estão divididos, responsável por atender perto de 300 crianças e adolescentes. Só há, porém, espaço para duas salas de aula.

A saída encontrada pela comunidade foi improvisar outras quatro salas em uma oca. Um desses espaços foi transformado em dois, com um armário servindo como divisória, para receber duas turmas. “As aulas se misturam porque o que um professor fala de um lado pode ser ouvido do outro”, conta uma moradora da aldeia que não quis se identificar.

A Unidade Básica de Saúde (UBS) na terra indígena também opera com espaço físico insuficiente. “Não temos salas para vacinação, curativo e inalação”, conta Thiago.

O atendimento recebido pelos indígenas em outros centros de saúde fora da tribo também é alvo de queixas. “Nossas crianças têm imunidade baixa por viverem em um ambiente tão contaminado e nem sempre recebemos cuidado especial quando somos transferidos para alguns hospitais”, diz o líder.

Só neste ano, duas crianças morreram por infecções. Uma delas foi a bebê Samantha, de 9 meses. “Ela começou com um resfriado, levamos ao Hospital Municipal de Pirituba (zona norte) quando os sintomas pioraram, mas lá não tinha UTI e ela ficou dois dias esperando abrir vaga para transferência. Mas quando conseguiu, já era tarde demais. Morreu na madrugada seguinte”, relata o pai da menina, o professor Jurandir Augusto Martim, de 41 anos.

Na pele

Entre as crianças da tribo, as doenças de pele são comuns. Acostumados a brincar na terra, elas entram em contato com as fezes dos cerca de mil animais que vivem no local. A entrada da aldeia é ponto de abandono de cães e gatos. “Já teve até ação civil do Ministério Público Federal pedindo à Prefeitura a retirada de animais aqui, mas disseram que não havia para onde levá-los”, conta Thiago Djekupe.

A maioria dos animais vistos pela reportagem no local estava doente ou debilitada. A reportagem encontrou o corpo de um gato morto há dias rodeado de insetos ao lado de um dos banheiros comunitários da tribo.

Esses espaços são outro problema. Construídos há dez anos pela Secretaria Especial da Saúde Indígena, órgão do Ministério da Saúde, nunca receberam manutenção. Alguns estão com o vaso sanitário ou chuveiro quebrados, além de acumular muita sujeira.

A falta de perspectivas e de políticas públicas mais efetivas traz outros problemas típicos de áreas com alta vulnerabilidade social. O índice de gravidez na adolescência nas aldeias do Jaraguá é alto. “Há aconselhamento, mas não basta. Não há muitas opções de atividades para os adolescentes aqui. E ainda quando as meninas engravidam, nem sempre o pai assume”, conta Natalina Jera Veríssimo, de 38 anos, representante das mulheres indígenas. Ela própria tem uma filha que deu à luz aos 15 anos.

O alcoolismo é outro desafio. Pelo menos 18 guaranis fazem tratamento para tentar abandonar o álcool. Além disso, a depressão atinge as aldeias. Neste ano, um adolescente guarani de 13 anos se matou. “Nossos direitos não são respeitados. Essa falta de apoio do Estado acaba sendo uma forma de nos enfraquecer”, conclui Thiago. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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