Os sinais de que um crash financeiro era iminente já vinham sendo lançados desde agosto de 2007, quando o banco varejista francês BNP Paribas anunciou o congelamento dos saques em três de seus fundos atrelados a créditos imobiliários de alto risco. Tratava-se então, na visão dos europeus, do marco zero da crise dos “subprimes”. Mas foi à 1h45 da manhã de 15 de setembro de 2008, em Nova York, quando o banco Lehman Brothers declarou falência, deixando pendurada um conta de US$ 691 bilhões e 25 mil funcionários na rua, que o mundo mergulhou em um turbilhão financeiro sem precedentes desde o crash de 1929.
Dez anos depois da quebra do banco de investimentos americano que chocou Wall Street e o mundo das finanças, os efeitos globais da crise ainda se fazem sentir – inclusive no Brasil. Maior falência da história dos EUA, o desaparecimento do Lehman Brothers provocou a pior queda do índice Dow Jones, o principal da bolsa de valores de Nova York, desde os atentados às Torres Gêmeas em 2001. Também desestabilizou de vez o sistema financeiro internacional, abriu as portas para a crise especulativa sobre as dívidas na zona do euro, na UE, e provocou de forma indireta a derrubada do preço das matérias-primas, o que abalou a economia brasileira.
Em razão da reação de governos como os da Europa, que encamparam parte das dívidas do sistema financeiro para debelar uma ameaça sistêmica, ao longo da Grande Recessão, como a década ficou conhecida, a dívida mundial cresceu de 200% do PIB mundial para 244% no final de 2017, segundo dados do Banco de Compensações Internacionais (BIS), com sede em Basileia, na Suíça.
“Está claro que o superendividamento maciço das economias avançadas foi um fator de detonação da crise financeira mundial de 2007 e 2008”, analisa o ex-presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, autoridade monetária da zona do euro entre 2003 e 2011. “Desde então, o crescimento do endividamento, em especial privado, dos países avançados desacelerou-se, mas essa desaceleração é compensada por uma aceleração do endividamento de países emergentes. É o que torna hoje o sistema financeiro mundial ao menos tão vulnerável, senão mais, do que em 2008.”
Epicentro
Nos Estados Unidos, epicentro da crise, pesquisa do Fed de São Francisco indica que a perda de renda média entre 2007-2017 foi de US$ 70 mil por cidadão americano.
Do outro lado do planeta, a China, sofre ainda hoje os efeitos do endividamento excessivo, contraído no impulso governamental de fomentar a economia. Dependente das exportações, Pequim respondeu à crise lançando em 2008 um pacote de estímulo da ordem de US$ 585 bilhões pelo câmbio atual – com o objetivo de manter o ritmo de crescimento.
O salto do endividamento causado pelo programa levou a queda no ritmo de importações de commodities, o que marcou o fim do super ciclo das matérias-primas, que financiava o crescimento de países emergentes como o Brasil e a Rússia.
Além de derrubar a performance dessas nações, levando à recessão e desequilibrando suas contas públicas, o fim do ciclo das commodities teve reflexos nas bolsas de valores, com a substituição das companhias multinacionais de energia pelas gigantes de tecnologia. Não por acaso duas delas, Apple e Amazon, têm valores de mercado de US$ 1 trilhão.
Na zona do euro, os efeitos da crise que ameaçou derrubar a moeda única e arrastar a UE ainda se fazem sentir. Depois de levar Grécia, Irlanda, Espanha e Chipre à lona, exigindo grandes volumes de empréstimos ao Fundo Monetário Internacional (FMI), a crise das dívidas continua a prejudicar o crescimento. Em média, a UE cresceu menos do que EUA e Japão na última década.
Para Patrick Artus, economista e diretor de Pesquisas e de Estudos do banco de investimentos francês Natixis, apenas em parte a crise europeia foi resolvida. “Tecnicamente resolvemos o problema da dívida na Grécia. Mas não resolvemos o da crise”, entende Arthus, autor do livro A Loucura dos Bancos Centrais – Por que a próxima crise será pior.
Além disso, políticas de austeridade fiscal severas e desequilibradas – na avaliação do FMI – também aprofundaram a desigualdade, ampliando a percepção de grandes segmentos da população de que a globalização beneficia mais ricos do que pobres. Para cientistas políticos, essa convicção ajuda a explicar fenômenos como o Brexit, e a emergência de partidos populistas e de extrema direita em todo o mundo, até nos EUA, onde Donald Trump venceu. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.