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Conheça os casos de quem vacilou na Lava Jato

Em tempos de telefones criptografados e aplicativos de autodestruição de torpedos a complicar a vida de investigadores, alguns dos alvos da Operação Lava Jato, a maior investigação de corrupção da história do País, foram pegos porque vacilaram na tarefa de esconder os crimes dos quais são acusados. Houve quem fizesse prova contra si em depoimento, entregasse o cúmplice por mensagem e até deixasse que as câmeras de segurança instaladas em casa gravassem o próprio flagrante.

Os pequenos, mas decisivos deslizes, contribuíram para implicar Marcelo Odebrecht, ex-presidente da maior empreiteira do País, e arrastar 77 executivos para a “delação do fim do mundo”.

Embasaram o pedido de prisão do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, primeiro a colaborar com os investigadores em troca de redução de penas. Também permitiram a identificação do doleiro Alberto Youssef, cujo esquema, mais tarde confessado por ele, lavava dinheiro sujo para dezenas de políticos e empresários brasileiros. Até Antonio Palocci, ministro forte das eras Lula e Dilma, caiu na rede dos investigadores porque um dia, sem imaginar as consequências, alguém bobeou e escreveu mais do que devesse.

Conheça os casos de quem vacilou na Lava Jato:

Primo, que primo?

Foi monitorando as ligações de um BlackBerry do doleiro Adib Charter, dono do Posto da Torre, em Brasília, a partir de julho de 2013, que surgiram fortes evidências de uma imensa rede de lavagem de dinheiro. Nas ligações telefônicas, todos chamavam o principal operador do esquema de “primo”. Mas, afinal, quem era ele? A dica veio num fatídico telefonema, no qual um dos investigados se referiu ao personagem misterioso como “Beto”.

Ao saber da novidade, três delegados correram à sala de escutas da Polícia Federal, como contou o jornalista Vladimir Netto no livro Lava Jato – O juiz Sérgio Moro e os bastidores da Operação que abalou o Brasil. Eles não tiveram mais dúvidas ao ouvir a voz de “Beto”. Era Alberto Youssef, cliente antigo de investigações de corrupção e que já havia sido grampeado outras vezes.

Um deles, Igor Romário de Paula, tinha sido controlador de voo e conhecia o falar do doleiro desde que ele voava sobre o Paraná com produtos contrabandeados. Não fosse aquela ligação, o desenrolar do maior caso de corrupção do País talvez teria sido outro. O doleiro foi o segundo delator da operação. Entregou dezenas de políticos e empresários, e detalhou minuciosamente como se desviava dinheiro da Petrobras.

Família unida

O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa nem estava entre os primeiros presos da Lava Jato, em 17 de março de 2014. Aposentado, levava uma vida confortável, e acima de suspeitas, como consultor. Ao “pescar” uma nota fiscal de R$ 250 mil na conta de e-mails de Alberto Youssef, a PF descobriu que o ex-dirigente da estatal havia ganhado uma Land Rover blindada do doleiro.

Foi por causa desse primeiro tropeço que os investigadores pediram mandados de busca e apreensão em endereços de Paulo Roberto. Um segundo o levaria para a cadeia e para a delação premiada. Quando policiais foram vasculhar a Costa Global, empresa que o ex-diretor abrira na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, perguntaram ao chefe de segurança do edifício se percebera algo estranho. Assim se descobriu que as duas filhas e os dois genros dele tinham acabado de sair do local, levando bolsas cheias de documentos e dinheiro em espécie.

A operação se deu enquanto os policiais buscavam as chaves do escritório na casa do ex-diretor. A tentativa de ocultar provas foi registrada pelo circuito interno de TV. O flagrante, em vídeo, foi decisivo para que o juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara, em Curitiba, mandasse prender Paulo Roberto três dias depois.

As investigações mostraram que não só ele, mas as filhas, os genros e a mulher estavam envolvidos em corrupção e lavagem de dinheiro. Sob risco de ver toda a família processada e presa, o ex-diretor fez o primeiro acordo de colaboração da Lava Jato.

Cachorrada

Policiais interfonaram às 6h01 de uma quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015, numa casa da Rua Fala Amendoeira, na Barra da Tijuca, no Rio. Quem atendeu foi Lília Loureiro Esteves de Jesus, que, ao saber do mandado de busca e apreensão, avisou que prenderia os cachorros antes de abrir. Ela não foi ao canil. Encheu um volumoso pacote com dinheiro e papéis comprometedores, atravessou o quintal correndo, ultrapassou um obstáculo próximo à piscina e escapuliu por uma saída lateral.

Os agentes da PF já se preparavam para invadir o imóvel quando, às 6h09, o portão foi aberto pelo marido de Lília, Guilherme Esteves de Jesus, suspeito de operar propinas pagas pelo Estaleiro Jurong Aracruz ao ex-diretor da Petrobras Renato Duque e ao ex-gerente executivo Pedro Barusco, ambos da área de Serviços.

A “limpeza” poderia ter dado certo, não fossem as dificuldades do investigado ao tentar explicar o paradeiro da mulher que atendera à campainha. Primeiro disse que só as filhas estavam em casa. Depois alegou que a esposa também estava ali, mas não soube precisar em que canto. Houve buscas, infrutíferas, pela desaparecida, até que os policiais descobriram 11 câmeras de segurança espalhadas pela área externa.

O casal havia se esquecido de apagar as cenas, que registravam a tentativa de esconder provas. Numa delas, Esteves aparece escondido atrás de uma moita, conversando com a mulher, antes de ela escapulir pelo portão. Os dois acabaram denunciados por crime de embaraço às investigações.

Operação Miami

Enquanto Marcelo Odebrecht era preso no Brasil, em 19 de junho do ano passado, a secretária Maria Lúcia Guimarães Tavares estava em Miami. Havia sido convocada para uma reunião com o executivo Luiz Eduardo Soares, seu chefe no Setor de Operações Estruturadas, a “divisão de propinas” da empreiteira. O objetivo era prestar contas de “pixulecos” pagos a políticos e agentes públicos.

Àquela altura, com a Lava Jato em seu encalço, a empresa tentava apagar os registros de que aquele departamento um dia existira. Maria Lúcia levou consigo pastas com planilhas e codinomes que indicavam os beneficiários do esquema.

Poderia ter deixado tudo por lá, longe das vistas da Polícia Federal, mas voltou para o Brasil com o material e o deixou em casa, na Bahia, por oito meses, até que os investigadores bateram à sua porta com mandados de prisão e de busca e apreensão.

Era 22 de fevereiro deste ano, e começava a 23.ª fase da Lava Jato, batizada de Operação Acarajé. Levada para a cadeia, ela foi a primeira e mais decisiva colaboradora da Odebrecht. Contou o que sabia, levando a cúpula do conglomerado a capitular e partir para a chamada “delação do fim do mundo”, com 77 executivos.

Sincericídio

O deputado Aníbal Gomes (PMDB-CE) já estava suficientemente enrolado na teia da Lava Jato quando prestou um depoimento à Polícia Federal em 27 de agosto do ano passado. Havia sido acusado por Paulo Roberto Costa de lhe oferecer suborno de R$ 800 mil para, quando diretor de Abastecimento da Petrobras, facilitar um acordo que liberou R$ 62 milhões para empresas de praticagem (condução de navios em portos).

Pela intermediação do negócio, o deputado teria dividido com três parceiros propina de R$ 6 milhões. A oitiva para a PF seguia o script dos advogados até que o congressista cometeu um inesperado sincericídio. Admitiu ter recebido de “amigos” e “parentes” doações de R$ 100 mil na campanha de 2014, mas que as declarou à Justiça eleitoral como sendo dinheiro dele próprio.

Justificou que preferiu oficializar as contribuições assim porque as quantias eram “pequenas”. O tiro no pé rendeu piadas de procuradores e uma denúncia a mais contra Gomes, por fraude eleitoral. A acusação só não foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal porque os ministros entenderam que, além da confissão, eram necessárias mais provas.

Ele não escapou, no entanto, de virar réu por corrupção pelo suposto recebimento de dinheiro das empresas de praticagem. Este mês, o deputado e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), um de seus principais aliados, foram denunciados por ganhar propina, disfarçada de doações eleitorais, em troca de viabilizar a contratos da Petrobras com a empreiteira Serveng.

Enigma à romana

A Lava Jato passou meses tentando decifrar os codinomes lançados nas planilhas que discriminavam as propinas da Odebrecht. Primeiro achou ser o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, nascido em Gênova, o “italiano” que recolhia milhões ilegalmente para o PT. Pista falsa. Foi uma incauta mensagem de 2009, enviada pelo ex-presidente do grupo Marcelo Odebrecht, atualmente preso em Curitiba, ao então diretor de Relações Institucionais, Alexandrino Alencar, o que contribuiu decisivamente para implicar Antonio Palocci.

“Vc marcou alguma coisa com o Italiano na 2ª? Se não, vou ligar para Brani hoje para tentar marcar”, escreveu o executivo. Brani era o apelido de Branislav Kontic, principal assessor do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil nas eras Lula e Dilma.

Odebrecht também recorreu ao diminutivo em e-mails enviados diretamente ao auxiliar de Palocci. Ao analisar as comunicações e outras provas, o juiz Sérgio Moro se convenceu e mandou Palocci para a cadeia. Foi em 26 de setembro, na Operação Omertà, 35.º fase da Lava Jato.

Morto pela boca

Políticos, em geral, fazem o diabo para evitar exposição em comissões parlamentares de inquérito (CPIs). O ex-presidente da Câmara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), num episódio decisivo, não agiu como exemplar convencional de sua espécie.

Mesmo sem ser convocado, decidiu ir espontaneamente à comissão que investigava corrupção na Petrobras, em março de 2015. Era um ambiente de cordialidade, preparado pelos aliados para poupá-lo de perguntas embaraçosas. Mas ele próprio afirmou: “Não tenho qualquer conta em qualquer lugar que não seja a que está declarada em meu Imposto de Renda”.

Foi por causa da declaração, após a Procuradoria-Geral da República (PGR) indicar o contrário, que ele passou a responder a um processo de quebra de decoro parlamentar por “mentir publicamente”.

Em setembro último, foi cassado, perdeu o foro privilegiado e seu processo foi enviado à Justiça Federal no Paraná. No mês seguinte, o juiz Sérgio Moro mandou Cunha para a prisão. A justificativa de que as contas na Suíça eram trustes, movimentados por terceiros responsáveis por gerir seu patrimônio, não colou nem com os procuradores da Lava Jato e nem com os seus pares no Congresso.

Ele deu a Elza

“Gato gordo” da Lava Jato, no jargão dos policiais, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), dedicava boa parte de suas declarações públicas a negar que movimentava dinheiro no exterior.

Era outubro de 2015 e João Augusto Henriques, considerado o operador do PMDB, revelara em depoimento prestado no mês anterior ter aberto uma conta na Suíça para pagar propina ao peemedebista. Contou que o dinheiro teria vindo de um contrato da Petrobras relativo à compra de um campo de exploração no Benin, África. O Ministério Público suíço recém-enviara à Procuradoria-Geral da República (PGR) investigações apontando as contas secretas do deputado.

Quando o vasto material veio à tona, um detalhe chamou atenção: Cunha fornecera o nome da própria mãe como contrassenha a ser usada em consultas ao banco Julius Baer. Entre os procedimentos de segurança, a instituição, especializada em gerir fortunas, exigia que o cliente respondesse a uma pergunta secreta para acessar o serviço de help desk (suporte técnico) quando necessário. O peemedebista optou por “O nome de minha mãe”. A resposta: “Elza”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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