Economia

Tarefa do BC seria mais fácil se Real não tivesse fracassado na desindexação

Objetivo declarado em vários planos econômicos durante a era da hiperinflação, a tal desindexação da economia pouco avançou no País. Até hoje, quase tudo no Brasil é corrigido por algum indicador de inflação – salários, aluguéis, tarifas de serviços e outros -, o que torna ainda mais complicada a missão do Banco Central (BC) de levar o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para o centro da meta de 4,5% até 2017. Segundo especialistas consultados pelo Broadcast, o trabalho do BC seria mais fácil se o Plano Real não tivesse fracassado no processo de desindexação da economia.

Para o professor da Universidade de São Paulo (USP) e um dos maiores especialistas em inflação do País Heron do Carmo, não ter conseguido desarmar a indexação foi a grande falha do Plano Real. De acordo com ele, o Brasil perdeu uma grande oportunidade de erradicar a prática de reajustes com base na inflação passada na primeira fase do plano de estabilização, quando a inflação baixou significativamente.

“O Real não desindexou a economia. Isso foi um engano. Simplesmente disse que o intervalo dos reajustes passaria para 12 meses. E o que deveríamos ter feito era ter caminhado para a desindexação da economia”, diz Heron. Ele entende que, para ter uma desindexação que fato funcione, é fundamental primeiro reduzir a inflação. “É o caminho mais fácil”, declara.

Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos e colunista do Broadcast, avalia que a permanência por vários anos da inflação acima da meta foi um estímulo para cristalizar a indexação. Ela concorda com Heron de que para se desarmar o processo é preciso primeiro derrubar a inflação corrente, o que passaria antes pela retomada do equilíbrio das contas públicas. “O fiscal precisa ser arrumado porque a inflação alta é um convite à indexação”, diz.

Por outro lado, não é tarefa das mais fáceis para o setor privado deixar de indexar seus preços, pondera Zeina. Neste caso, segundo ela, o melhor seria o exemplo vir do setor público. Não dá mais, de acordo com a chefe do Departamento Econômico da XP Investimentos, para o governo continuar corrigindo o salário mínimo com base na inflação passada. “No ano que vem, por exemplo, o mínimo poderá ser corrigido em 10%, porcentual em torno do qual a inflação encerrará 2015, sendo que a Focus projeta para 2016 inflação de 6,29%.”

De fato, existe uma série de fatores institucionais que tornam a queda da inflação e o trabalho do BC mais difíceis, endossa Heron. Ele também é crítico à atual metodologia de correção do mínimo pela inflação do ano anterior e variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. “É preciso desatrelar o ajuste do salário da inflação, acabar com vinculação do orçamento e baixar a inflação presente. O bom senso indica que devemos acabar com a leniência em relação à inflação e parar de achar que 5,5% está bom”, diz.

Heron lembra que a vinculação de orçamento é uma prática que antecede o período da hiperinflação e cita a Emenda Constitucional 24, de 1983, apelidada de Emenda Calmon. Ela estabelece a obrigatoriedade de aplicação anual pela União de nunca menos de 13% e pelos Estados, Distrito Federal e Municípios de no mínimo 25% da renda resultante dos impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Os dois economistas concordam que a função do salário mínimo é corrigir os benefícios dos programas sociais e o piso da Previdência. O professor destaca que os reajustes salariais se dão por meio da livre negociação, entre trabalhadores e empregadores, e que o mínimo que uma pessoa ganha é o piso de cada Estado e não o mínimo o nacional. Por isso, propõe a correção do mínimo nacional pelo INPC e concessão de ganhos reais em períodos entre três e cinco anos quando a economia efetivamente estiver indo bem.

O professor da USP propõe também o fim das correções anuais de contratos no setor privado. Não há, de acordo com ele, porque um contrato de aluguel ser corrigido anualmente conforme ficou estabelecido a partir do Plano Real. “Poderia se firmar um contrato de aluguel com valor fixo para três, quatro, cinco anos”, diz.

Citando estudo do economista Mansueto Almeida, segundo o qual do total dos gastos públicos 75% está indexado de alguma forma, Zeina sugere que o salário mínimo passe a ser reajustado com base no centro da meta inflacionária. Se assim fosse, o mínimo no ano que vem não seria reajustado com base no IPCA de 2015 (previsto para fechar acima de 10%) e sim em 4,5%.

O presidente da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), Manuel Henriquez Garcia, entende que o mínimo deveria ser corrigido com base na expectativa de inflação da Focus. Ele discorda da atual metodologia de reajuste do salário mínimo. Afirma que a equação vigente deverá elevar as despesas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões em 2016, já que 70% das pensões e aposentadorias são de até um salário mínimo.

Heron avalia que corrigir o mínimo com base na inflação projetada pela Focus dificultaria o processo porque as medianas das expectativas de inflação na Focus estão desancoradas e, por isso, mudam a cada semana.

Plano Cruzado

A tão criticada indexação dos salários à inflação teve seu ponto mais alto no Plano Cruzado, programa de estabilização econômica lançado em 28 de fevereiro de 1986, no governo Sarney, pelo então ministro da Fazenda Dilson Funaro.

Previa, inicialmente, reajuste automático dos salários por meio de um dispositivo chamado “gatilho salarial” ou “seguro-inflação”, sempre que a média de preços ao consumidor atingisse 20%.

Como o Cruzado propunha a combinação de congelamento de preços e juro nominal negativo, a população se viu desestimulada a poupar e se lançou ao consumo, o que levou a uma explosão da demanda e, por consequência, da inflação.

O avanço do consumo se disseminou por todas as classes sociais principalmente porque a taxa de desemprego caiu muito e naquele ano o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 7,49%.

Sarney defende seu plano como o que se preocupou em atender aos mais pobres. Tanto que seu governo cunhou o slogan “Tudo pelo social.” Se os preços aumentavam, o trabalhador também tinha o salário aumentado no mesmo nível.

Essa dinâmica, porém, não se sustentou porque, dentre as várias falhas do plano, ocorreu um desequilíbrio dos preços relativos da economia, já que os preços das matérias-primas não se formavam no mercado interno, que estava sob as rédeas dos “fiscais do Sarney”.

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