Embaixo do Elevado João Goulart, próximo da esquina com a Rua General Jardim, motoristas e pedestres mais atentos são surpreendidos pela visão de não um, mas dois presépios dispostos na calçada, entre as ciclovias do Minhocão.
Os responsáveis pela colocação das figuras religiosas são o casal em situação de rua Luciene Lopes dos Santos, de 45 anos, e Claudio Augusto, de 57 anos. Eles estão juntos há 15 anos. "Nos conhecemos num albergue da Lapa", relembra Luciene. Hoje moram em uma barraca montada embaixo do Minhocão, mais uma das inúmeras instalações improvisadas de moradia que parecem se multiplicar nesses meses de crise e pandemia pela cidade.
Juntamente com eles, vivem três cães: Mala, Vitória e Lindinha. Desentendimentos familiares e problemas com bebida afastaram Luciene da clínica veterinária em que trabalhava, ajudando em procedimentos clínicos, tosando e banhando os cães. "Natal é família, com todos juntos e com saúde", resume ela.
Os presépios, de dois tamanhos e estilos diferentes, segundo o casal, foram achados por Luciene em uma velha caixa jogada no lixo na esquina da Rua Major Sertório. "Tinham vários. Montamos por aqui, uns foram quebrados, outros foram roubados", diz a mulher sobre as peças religiosas de gesso. "Roubaram o menino Jesus. Aqui o povo é muito ruim", resume Claudio Augusto.
Luciene Santos não se recorda bem de quando encontrou a velha caixa com as peças. Os dias na rua e o isolamento social ainda mais elevado embaralham a mente e turvam a memória da mulher. Ela acredita que tenha encontrado há duas semanas; seu companheiro fala em dois meses.
Após o furto da santa figura, o casal colocou bem no centro do presépio, uma pequena cumbuca onde estão depositadas moedas. O dinheiro miúdo é "observado" por José e Maria, os três reis magos, ovelhas, vacas e até por um elefante que destoa um pouco do tamanho das outras peças. Em meio à poluição do ambiente, entre passadas apressadas de bikeboys entregadores de comida por aplicativo e o vai e vem infindável dos carros e motos, tudo foi montado com carinho e esmero em cima de uma toalha plástica transparente.
Alguns metros no mesmo Minhocão, próximo da Praça Marechal Deodoro, ainda chamam a atenção duas árvores de Natal de plástico e toda a decoração de bolas e guirlandas na calçada. Quem explica as árvores é o morador em situação de rua Paulo Sérgio dos Santos, de 39 anos. Ele mostra sua surrada identidade, onde consta a data de nascimento: 26 de dezembro de 1981. Ele jura, porém, que nasceu no dia 25 e sua avó o registrou no dia seguinte. "As árvores foram trazidas pelo pessoal que mora por aqui e trabalha com reciclado. Tem também um quadro com Jesus", diz.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>