Luiz Fernando Carvalho pretende, com sua minissérie ainda sem título sobre o período da Independência, apresentar o avesso da História. "O olhar comum para aquele momento é romanceado, quando foram momentos bárbaros. Assim, é preciso fazer uma autocrítica, a começar pela própria cultura branca, que se julgava superior", explica.
Assim, a partir desse norte e sem buscar atualizações ("Não quero simplesmente trazer o século 19 para os dias de hoje"), Carvalho escalou um elenco heterogêneo, com multiplicidade de vozes, em que atrizes baianas discutem seus problemas com angolanas que vivem em Portugal. E, apesar da presença de atores consagrados (Antonio Fagundes, por exemplo, vai viver d. João VI, assim como André Frateschi será o intérprete de Chalaça), o diretor pretende inverter o papel do protagonismo. "Currículo não pesa."
<b>PRESENÇA FEMININA</b>
Assim, ao lado do dramaturgo Luís Alberto de Abreu, o diretor elabora um projeto que busca reivindicar a participação de um conjunto de saberes, culturas, subjetividades e personagens que foram postos à margem ou que, violentamente, foram apagados pela história oficial. "A importância da presença feminina na Independência do Brasil está em d. Leopoldina, artífice central daquele processo", observa Carvalho, que escalou uma atriz inglesa para o papel. "Surgem também figuras como Maria Felipa, cuja participação foi referencial na luta pela independência da Bahia, e o Padre José Maurício, maestro negro da Corte Imperial, mas ausente dos registros tradicionais."
Ao relevar a importância de figuras hoje esquecidas, o diretor combate o que chama de Pedagogia da Ausência, ou seja, um sistema que funciona a partir da exclusão e do apagamento de nomes e fatos. "A série, portanto, é uma escavação em busca do passado, reencontrando fantasmas nas salas do império, colonialismo, violência social, autoritarismo e escravidão."
<b>PREPARAÇÃO</b>
Dessa forma, o processo criativo é detalhado, como sempre acontece nos trabalhos de Carvalho. Boa parte do elenco ensaia em um galpão na Vila Leopoldina, na zona oeste paulistana. Lá, acontecem também os debates com historiadores e sociólogos, que trazem uma visão mais esclarecedora e menos edulcorada da história oficial. "É o momento em que todos participam, sem exceção", conta o encenador, destacando, por exemplo, a presença das costureiras que confeccionam os figurinos criados por Alexandre Herchcovitch, em um ateliê montado no espaço. "Todo conhecimento é compartilhado, pois essa é a síntese do galpão."
É esse entendimento que faz com que o projeto da minissérie seja um trabalho atual, não de época. "Nosso presente está repleto de passado. Me parece fundamental essa ponte entre nossas fundações e os desdobramentos que ocorreram nos séculos seguintes. O século 19 foi um período estrutural, marcando avanços e retrocessos com os quais lidamos até hoje."
Os ensaios continuam no galpão até 17 de dezembro e, em janeiro, começam as filmagens, que deverão ocorrer no Rio, Salvador e Lisboa, no Palácio de Queluz, palco do início (1808) e do fim da história (1834) contada pela série.
"São várias questões em busca de respostas: a quem interessou a Independência? Ela realmente existiu ou foi um golpe da elite?", questiona Carvalho. "Em meus trabalhos, sempre me pergunto: que país é esse? Agora se faz necessária a atualização dessa interrogação. Nos tempos de hoje, quando a linguagem do streaming se torna cada vez mais onipresente no cotidiano das pessoas, o convite da TV Cultura é um enorme desafio: refazer o diálogo entre entretenimento e educação."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>