A Polícia Civil do Rio de Janeiro investiga atualmente 9.542 homicídios cujas vítimas são crianças e adolescentes de 0 a 17 anos. O inquérito mais antigo começou em 2000 e, passados 21 anos, continua sem conclusão. O tempo médio de investigação é de oito anos e três meses. Do total, 79,5% (7.585 casos) são crimes dolosos (intencionais) e 20,5% (1.957) são culposos (sem intenção).
O município do Rio de Janeiro concentra 34,5% (3.298) dos casos. Os dados são de pesquisa realizada pela Defensoria Pública do Rio, que analisou informações prestadas pela secretaria estadual de Polícia Civil e pelo Instituto de Segurança Pública, órgão subordinado ao governo do Estado.
"Precisamos avançar muito no combate às perdas antecipadas de vidas", afirmou o defensor público Rodrigo Azambuja, coordenador da Coinfância (Coordenadoria da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado do Rio). "Essas cifras são vidas. Prevenir é possível, sendo certo que a responsabilização efetiva é uma dessas formas. Esses números são inaceitáveis num país que pretende assegurar, com prioridade absoluta, os direitos de crianças e adolescentes."
Entre os crimes dolosos, a maioria são homicídios consumados ou tentados com uso de arma de fogo. Correspondem a 62,5% dos crimes dolosos (4.743 de 7.585) e 50% do total (4.743 de 9.542). Em seguida figuram os homicídios relacionados à atividade policial (intervenção policial, oposição à intervenção policial e autos de resistência). Representam 10,7% dos crimes dolosos (811 de 7.585) e 8,5% do total (811 de 9.542).
Entre os crimes culposos, a maioria está relacionada a meios de transporte. São acidentes de trânsito, colisão em ponto fixo, queda de interior de veículo, queda de trem, capotagem, colisão do veículo, atropelamento rodoviário e ferroviário. Juntos, representam 72% dos crimes culposos (1.409 de 1.957). Além desses eventos relacionados a carros e trens, há mortes provocadas por quedas e pelo uso de arma de fogo.
Há procedimentos que tramitam desde o ano 2000, mas a média de todos os procedimentos é de 3.060 dias, ou seja, oito anos e três meses. A investigação que havia começado havia menos tempo, no momento da pesquisa, fora iniciada 36 dias antes. O inquérito instaurado há mais tempo já durava 21 anos.
A partir de dados do Instituto de Segurança Pública, constatou-se que pouco mais de 8 em cada 10 procedimentos sobre mortes de crianças continuam abertos (cerca de 81%).
O crime mais comum praticado contra crianças de 0 a 4 anos é o homicídio culposo não especificado, com 389 ocorrências, seguido pelo homicídio doloso não especificado, que teve 106 registros. Já as crianças de 5 a 9 anos são atingidas, principalmente, pelos crimes culposos relacionados ao trânsito (106 casos), acompanhados da tentativa de homicídio praticada com arma de fogo, com 83 ocorrências.
A faixa etária de 10 a 11 anos aparece igualmente afetada pelos crimes culposos relacionados ao trânsito e tentativa de homicídio decorrente do uso de arma de fogo, ambos com 68 ocorrências. São seguidos de perto pelo homicídio consumado com arma de fogo, com 67 casos.
Os crimes mais comuns contra adolescentes de 12 a 17 anos são homicídios dolosos com uso de arma de fogo em sua forma consumada (3.056) e tentada (1.308). São acompanhados de perto pelo homicídio doloso não especificado, em sua forma consumada (672) e tentada (737).
Homicídios relacionados à atividade policial, tentados ou consumados, são muito expressivos nesse grupo. Correspondem a 10,4% dos crimes relacionados a essa faixa etária (802 de 7.675). Nas outras faixas etárias, a incidência é menor do que 1%. Esse grupo representa, ainda, 98,6% das mortes em decorrência de auto de resistência (350 de 356).
"Fica claro que a causa da letalidade varia de acordo com a faixa etária", afirmou a diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça, Carolina Haber, que coordenou o trabalho. "É preciso investir para reduzir a circulação de armas (principal instrumento usado na morte de adolescentes) e em estratégias seguras de trânsito de veículos (maior causa da morte de crianças)."
<b>Caso Ágatha Félix inspirou pesquisa</b>
A pesquisa foi realizada pela Diretoria de Pesquisa da Defensoria Pública do Rio a pedido da Coordenação de Infância e Juventude da Defensoria (Coinfância). Foi uma forma de dar visibilidade à discussão do tema, que é foco da lei 9.180, de 2021, conhecida como Lei Ágatha Félix. A lei determina prioridade de investigação nos crimes cometidos contra crianças e adolescentes, especialmente quando causarem morte.
Ágatha era uma menina de 8 anos que foi assassinada por um tiro de fuzil durante operação policial no Complexo do Alemão (zona norte do Rio), em 2019. Um policial militar, Rodrigo José de Matos Soares, foi denunciado à Justiça pelo crime, mas ainda não foi julgado.
"A pesquisa mostra o que ouvimos de muitas famílias: lentidão e demora na apuração de crimes envolvendo seus filhos", afirmou a defensora Paola Gradin, coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Rio. "O Estado precisa dar uma resposta a essas mães e pais sobre o que aconteceu com suas crianças."
<b>Secretaria aponta queda nos registros</b>
Questionada pela reportagem do <i>Estadão</i> a respeito da demora na investigação de crimes praticados contra crianças e adolescentes, a secretaria estadual de Polícia Civil do Rio afirmou, em nota, que não vai se manifestar porque não recebeu o estudo feito pela Defensoria. "Com relação à taxa de homicídios no Rio de Janeiro, temos quedas consecutivas nos índices, menores da série histórica, demonstrando a eficácia da atual gestão na área de segurança", concluiu a pasta.