O dólar emendou na sessão desta terça-feira, 26, o terceiro pregão consecutivo de alta firme e ameaçou encostar no patamar de R$ 5,00, registrando máxima a R$ 4,9997 (+2,55%) no fim da manhã. Uma vez mais, o real sofreu com o movimento global de aversão ao risco que levou investidores a abandonar divisas emergentes e bolsas para buscar proteção na moeda norte-americana e nos Treasuries.
O pano de fundo para o tombo dos ativos de risco são as preocupações em torno de uma eventual desaceleração da economia global, em meio à expectativa de alta mais rápida e intensa de juros nos Estados Unidos e preocupações com os impactos de novos <i>lockdowns</i> na China. O Federal Reserve anuncia a nova taxa de juros norte-americana na próxima quarta-feira, 4, e a expectativa majoritária é de uma alta de 0,50 ponto porcentual. Uma ala relevante do mercado já aposta em elevação de 0,75 ponto porcentual no encontro do BC americano em junho.
Há também temores de um agravamento das tensões geopolíticas, após a Rússia subir tom em relação à Ucrânia, falando até mesmo em ameaça de conflito nuclear, o anúncio de corte de fornecimento de gás russo à Polônia e a iniciativa conjunta de Finlândia e Suécia para entrar na Otan. Operadores também citaram a piora do ambiente institucional doméstico, com os atritos entre o presidente Jair Bolsonaro e o Supremo Tribunal Federal (STF) como um dos indutores da busca por proteção.
O índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – superou os 102,000 pontos (máxima aos 102,342 pontos), atingindo o maior nível desde março de 2020. A taxa da T-note de 10 anos, principal ativo do mundo, caiu cerca de 2%, rodando abaixo de 2,80%.
O real mais uma vez liderou as perdas entre divisas emergentes, fruto em boa parte, segundo operadores, de movimentos de realização de lucros, dado que a moeda brasileira foi a que mais se apreciou neste ano. Estaria ainda em curso desmontagem de posições vendidas no mercado de dólar futuro, além de operações especulativas e saída de investidores estrangeiros.
A escalada da taxa de câmbio na primeira etapa de negócios fez o Banco Central intervir novamente. Depois de vender US$ 571 milhões à vista na sexta-feira e se ausentar na segunda-feira, o BC fez leilão extraordinário de 10 mil contratos de swap cambial (US$ 500 milhões) no início da tarde, o que ajudou a amenizar parcialmente a febre compradora, embora não tenha em nenhum momento feito o dólar operar com alta inferior a 1%.
Depois de trabalhar ao redor de R$ 4,96 ao longo da tarde, o dólar acelerou novamente na última hora do pregão, com a piora das bolsas em Nova York e o Ibovespa renovando mínimas. No fim da sessão, a moeda avançava 2,36%, cotada a R$ 4,9905 – maior valor desde 21 de março (R$ 4,9445). Nas três últimas sessões, o dólar acumulou valorização de 8,01%. Em abril, a divisa sobe 4,82%. As perdas no ano, que já chegaram a superar 17%, agora estão na casa de 10%.
Para o gestor macro-global da Frontier Capital, Jorge Dib, o principal indutor da perda geral de valor dos ativos de risco nos últimos dias é o ajuste da política monetária americana, com perspectivas de altas sucessivas da taxa básica (Fed Funds), sobretudo após fala do presidente do BC americano, Jerome Powell, na semana passada. As preocupações com a desaceleração da economia chinesa e os desdobramentos da escalada no conflito na Ucrânia teriam papel secundário nesse processo.
"O Powell disse que vai fazer um aumento mais rápido dos juros para o nível neutro, chegando possivelmente ao nível restritivo. O mercado já está precificando altas seguidas de 0,50 ponto porcentual e taxa acima de 3%", diz Dib. "O mercado parece ter acordado só agora para o lockdown na China e o avanço da Rússia na Ucrânia, mas essas são questões acessórias nesse processo de reprecificação".
Dib nota que os preços das commodities sofreram em um primeiro momento, com as preocupações com a China, mas aparentam recuperar parte do fôlego. As cotações do petróleo sobem mais de 3% no mercado internacional e o minério de ferro, que havia desabado mais de 10%, já apresentou queda menor (2,95% no porto de Qingdao, na China).
O gestor ressalta que, apesar da piora das commodities, e da perspectiva de alta de juros nos EUA, dois fatores que deram sustentação à apreciação recente do real continuam na mesa: diferencial amplo entre juros internos e externos e preços elevados de produtos exportados pelo Brasil.
"No câmbio, estamos vendo um movimento de zeragem. As incertezas aumentaram e quem estava com uma posição vencedora está colocando dinheiro no bolso. E o real era quem mais ganhava", afirma Dib. "Muita gente também vendeu dólar com a taxa a R$ 4,60 e agora tem que zerar. Eu arriscaria dizer que o dólar vai se acomodar um pouco abaixo do patamar atual".
Para o diretor da Correparti Corretora, Ricardo Gomes da Silva, o aumento das incertezas aqui e lá fora deve levar o mercado a ficar arisco e, por tabela, demandar mais proteção. Com isso, o Banco Central deve atuar novamente por meio de swaps cambiais (venda de dólar futuro) para tentar conter a taxa de câmbio e evitar novas pressões inflacionárias.
"O BC tenta conter a especulação e dar liquidez. Mas atua também na intenção de segurar o nosso processo inflacionário. Tivemos um choque de commodities com a guerra. Se vier agora uma alta do dólar, será muito nocivo para a inflação", diz Gomes da Silva, que vê até possibilidade de o dólar superar R$ 5,00, mas descarta a volta da taxa de câmbio a níveis do fim do ano passado no curto prazo.