Era sábado, o último de janeiro de 2021, quando o petista Luiz Inácio Lula da Silva se encontrou com Fernando Haddad e disse: "Não há mais tempo a perder". O ex-prefeito de São Paulo argumentava que o PT poderia esperar Lula recuperar os direitos políticos antes de apresentar um candidato à Presidência, mas acabou convencido pelo ex-presidente, na época cético. "Então vou dizer que estou fazendo isso a seu pedido", avisou Haddad.
A conversa sacramentou que ele seria, de novo, o adversário de Jair Bolsonaro (PL) na disputa pelo Palácio do Planalto. Lula achava que era preciso agir para movimentar as forças de esquerda com antecedência. Uma agenda de viagens pelo País foi montada para ele, um dos principais herdeiros políticos de Lula. Pouco mais de um mês depois, Haddad teria de reorientar os planos. O caminho a partir dali leva, hoje, o ex-ministro da Educação, de 59 anos, à liderança nas pesquisas na corrida pelo governo paulista e na esperança do PT de enfim chegar ao Palácio dos Bandeirantes.
A decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), de março de 2021, que anulou todas as condenações contra Lula proferidas na Lava Jato colocou o ex-presidente como candidato natural na disputa pelo Planalto. Após assumir de forma improvisada a derrotada candidatura à Presidência em 2018, quando Lula foi preso, Haddad mantinha a ideia de que seu papel em 2022 deveria ser o de ajudar a campanha nacional. Em nova conversa, ele e Lula avaliaram que a melhor forma de viabilizar o sucesso do PT no País era lançá-lo em São Paulo.
Haddad começou a trabalhar para construir uma aliança que colocasse Geraldo Alckmin próximo a Lula. Em uma tacada só, tornou-se padrinho da união Lula-Alckmin, selada em um jantar na sua casa, descartou o ex-tucano como um de seus concorrentes e se firmou no papel de articulador das alianças em torno seu palanque – e também do de Lula.
Governar o Estado é uma das obsessões do partido e, para quebrar barreiras no interior, de perfil mais conservador, Haddad escalou um batalhão de políticos de centro e com prestígio regional. Além do ex-governador Alckmin (hoje no PSB), tem ao seu lado a ex-ministra e candidata a deputada federal Marina Silva (Rede) e o também ex-governador Márcio França (PSB). Enfrenta o governador no cargo, Rodrigo Garcia (PSDB), e o candidato de Bolsonaro, o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Por estratégia política, a campanha petista repete no Estado a polarização do plano nacional e prefere rivalizar com Tarcísio. Para bater em Garcia, o ex-prefeito faz uma ginástica argumentativa que permita criticar a gestão de João Doria (PSDB) sem avançar o sinal e atacar também gestões passadas dos tucanos, o que atingiria Alckmin.
<b>Articulações</b>
Comumente chamado de "o mais tucano dos petistas", Haddad, formado em direito pela Universidade de São Paulo (USP), onde fez mestrado em economia, doutorado em filosofia e é professor licenciado, aproveitou os canais abertos com políticos centristas, que antes eram fruto de críticas internas. Esteve por trás, por exemplo, da federação com o PV, da reaproximação do ex-presidente com Marina, Marta Suplicy e Cristóvam Buarque, e do apoio do PROS à candidatura de Lula.
Sempre à frente nas pesquisas, Haddad trabalhou para limpar o campo de candidatos de centro-esquerda e esquerda. Primeiro, esperou a negociação de Lula com Guilherme Boulos, para que o candidato do PSOL saísse da disputa. Depois, já não escondia o incômodo com França, que se lançou ao Senado só em julho – sua mulher, Lúcia França, passou a ocupar, como resultado da negociação, a vice na chapa.
Três disputas eleitorais e duas derrotas depois, integrantes da campanha dizem que Haddad é menos uspiano e mais político. Não porque tenha abandonado o perfil intelectual, mas porque se mostra à vontade como um "articulador do alto clero", como define um correligionário do PT.
Haddad, porém, segue refratário a críticas à sua gestão no Ministério da Educação e na Prefeitura. No primeiro debate, demonstrou irritação ao ouvir de Tarcísio a provocação de que era avaliado como "pior prefeito" de São Paulo. Respondeu imediatamente: "Quem for ao Google, digite genocida ", referência às críticas a Bolsonaro pela condução da pandemia da covid-19.
<b>Pautas</b>
A campanha do petista manteve forte apelo à pauta econômica, um espelho da aposta nacional do PT. Haddad faz a promessa de reindustrializar o Estado com foco em uma agenda sustentável, zerar impostos da carne e da cesta básica e congelar o IPVA por quatro anos. O tema da segurança, uma pauta cara a adversários, também entrou na ordem do dia – promete manter as câmeras nos uniformes dos policiais e adotar um plano de valorização da corporação.
Sem disputar eleição em 2020, Haddad mergulhou em período recluso, e leu 250 livros para escrever sua obra mais recente: O Terceiro Excluído – contribuição para uma antropologia dialética. A ideia nasceu a partir de conversa com o linguista Noam Chomsky. Há duas semanas, o acadêmico americano mandou mensagem com elogios ao livro. Aliados dizem que Haddad comemorou tanto ou mais do que deve fazer se ganhar a eleição.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>