Estadão

Consentimento opõe preconceito ao avanço social

Da dramaturga inglesa Nina Raine, o público paulista conhece as peças Rabbit, dirigida por Eric Lenate em 2012, e Tribos, encenação de Ulysses Cruz estrelada por Antonio Fagundes entre 2013 e 2015. Agora é a vez de Consentimento, tragicomédia lançada em 2017 que ganha montagem dirigida por Camila Turim e Hugo Possolo, que estreou no Sesc Belenzinho. Se, nos dois textos anteriores, Nina Raine investia em famílias disfuncionais para formar um painel das relações humanas, essa peça revela uma geração que chegou aos 40 anos contaminada por preconceitos incompatíveis com uma sociedade em transformação.

Um grupo de amigos se encontra regularmente para jantar, tomar vinho e trocar opiniões sobre a vida, o trabalho e a rotina familiar. O advogado Ed e a editora de livros Kitty (interpretados por Flávio Tolezani e Camila Turim) acabaram de ter o primeiro filho. Colegas dele, Jake e Rachel (representados por Sidney Santiago Kuanza e Heloisa Cintra Castilho) são pais de dois meninos, enquanto Tim (o ator Guilherme Calzavara), também advogado, namora uma atriz, Zara (papel de Anna Cecília Junqueira). Todos comentam e até riem das situações enfrentadas nos seus ambientes profissionais. O conflito se instaura quando Ed passa a defender um abusador no caso do estupro de uma mulher (personagem de Lisi Andrade) e todos enxergam que não estão blindados da vida real como imaginavam.

Idealizadora do projeto, Camila Turim persegue o tema da violência contra o gênero feminino. Depois de montar Mulheres Profundas, Animais Superficiais (2013) e O Corpo da Mulher como Campo de Batalha (2017), ela queria voltar ao assunto com um enfoque mais cotidiano e capaz de atingir o espectador de classe média. "Nas outras peças, a violência era coloca sob um ponto de vista onírico e no ambiente de uma guerra. Agora são pessoas que aparentam ser legais e poderiam frequentar a nossa casa", explica a atriz, sobre a identificação com a história de Raine.

<b>AGRESSÕES</b>

Camila diz fazer parte de uma geração que cresceu acreditando que o feminismo estava sedimentado, até perceber agressões sofridas no cotidiano, desde abordagens desrespeitosas em festas até a dificuldade para se impor como profissional e mãe. "Demos de cara com uma sociedade retrógrada que, mesmo ante avanços como a Lei Maria da Penha e o movimento #metoo, reproduz e naturaliza um comportamento que precisa ser discutido e denunciado", declara.

A direção compartilhada de Camila e Hugo Possolo faz parte desse processo de vislumbrar o mundo sob um foco de igualdade. Os dois são casados e pais de Leon, de 3 anos, e o começo do projeto, durante a pandemia, formalizou uma parceria desenhada em trabalhos anteriores. Em O Rei da Vela, por exemplo, dirigido por Possolo em 2018, Camila interpretava a personagem Heloísa de Lesbos e contribuiu na concepção estética e na trilha sonora. Em Consentimento, a atriz conta que houve um equilíbrio de forças. Possolo, no entanto, sublima a maestria da mulher. "A concepção e a regência é toda dela, inclusive sobre figurinos e cenários, enquanto fiquei com a direção dos atores."

Conhecido pelo trabalho cômico com o grupo Parlapatões, Possolo salta da zona de conforto com um texto que, mesmo ácido e definido como tragicomédia, trata de questões bastante sérias. "São personagens contemporâneos que não podem cair em qualquer exagero. Até por isso, fui levado a rever alguns conceitos machistas meus que não podemos carregar", admitiu o codiretor. "Um personagem diz que eles são eles e nós somos nós, então é importante a gente ver que eles podem ser nós."

Consentimento
Sesc Belenzinho.
R. Padre Adelino, 1.000.
Tel. 2076-9700.
5ª a sáb., 20h. Dom., 17h.
R$ 30. Até 6/11

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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