Em sucessivas entrevistas, o diretor e roteirista Todd Field tem dito sempre a mesma coisa – escreveu Tár especificamente para Cate Blanchett. Não queria nenhuma outra atriz no papel. Se ela por acaso dissesse não ao ler o roteiro, ele não tentaria nenhuma outra atriz. O filme não seria – não teria sido – feito. Cate foi melhor atriz, vencendo a Copa Volpi do Festival de Veneza do ano passado. Ganhou o Globo de Ouro de melhor atriz de drama e o Critics Choice.
Nesta semana ganhou mais uma indicação para o Oscar, que já venceu duas vezes – melhor atriz coadjuvante por O Aviador, de Martin Scorsese, em 2005, melhor atriz por Blue Jasmine, de Woody Allen, em 2014. Neste momento, pelo menos, parece absurdo imaginar que outra atriz, e não ela, possa vencer o prêmio da Academia no dia 12 de março.
Tár começa taco-no-taco, com a entrevista que Cate, como a personagem-título, concede ao crítico musical da The New Yorker. Eles conversam sobre o que seria a extraordinária carreira da maestrina Lydia Tár. O crítico esmiúça os muitos títulos que ela colecionou em sua carreira – mestra, doutora – e Tár ainda analisa não apenas como deve ser tocada, mas também a própria criação de uma das peças mais conhecidas de Mahler. Parece o diálogo de dois especialistas. Mais tarde aparece num vídeo o próprio Leonard Bernstein nutrindo a maestrina com mais conhecimentos sobre a arte de reger. Num meio tão predominantemente masculino, é raro que uma mulher chegue ao topo, como Tar.
<b>Figura de Ficção</b>
Tão raro que a própria personagem, por mais que pareça, não é real, mas uma figura de ficção, criada pelo diretor e roteirista para colocar em discussão temas como controle e poder, além de questões de gênero. Tár está lançando um livro autobiográfico, tem novos planos para a Orquestra Filarmônica de Berlim, da qual é a estrela, e ainda tem tempo de polemizar com estudantes de uma oficina de novos talentos musicais. Em especial, discute com o aspirante negro que propõe uma revisão sexista da obra de Johan Sebastian Bach.
Todo esse castelo vai ruir em seguida, quando uma de suas antigas estudantes se suicida e deixa uma nota acusatória do abuso que teria sofrido de Tar.
No mundo do politicamente correto, tolerava-se – no passado imperfeito – muita coisa dos gênios. Tár passa a perder tudo. Família, carreira, poder. A controladora de antes perde o controle da própria vida. Quando o filme termina – não é spoiler -, está tentando recomeçar. Todd Field conta essa história, agora é ele, com absoluto controle de seus meios.
Os diálogos são rigorosos, a ascensão e a queda surgem em cenas precisas. Em alguns momentos, Tár faz pensar em Whiplash, de Damien Chazelle, que no Brasil se chamou Em Busca da Perfeição, mas é como se Field estivesse querendo dizer que a perfeição é impossível, senão na arte, na vida.
É um filme muito bem feito, impactante. Alguns momentos, para revelar a figura, realçam a máscara. A filha de Tár sofre bullying na escola. Ela resolve a parada indo lá segredar com a garota que hostiliza a filha o que fará com ela, se persistir no abuso. Tem tudo a ver com as acusações que sofre.
Para a própria mulher, interpretada por outra atriz notável, Nina Hoss, Tár a está traindo, mas não é o que parece. A arrogância e a autossuficiência serão demolidoras do próprio mito. Em todos os momentos, Cate nunca é menos do que perfeita. Todd Field está coberto de razão – ela é a alma do filme.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>