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Polêmica sobre a Lei Rouanet volta, após liberação de projetos

A Lei Rouanet que, em um dos seus âmbitos autoriza empresas e pessoas físicas a investir em produtos culturais por meio de renúncia fiscal, voltou aos holofotes após o Ministério da Cultura publicar no Diário Oficial da União, em janeiro, atos referentes a 1.946 projetos, envolvendo quase R$ 1 bilhão em recursos.

Um deles traz a lista de projetos a serem prorrogados – cuja renúncia fiscal venceu em 31 de dezembro de 2022 ou que estão em processo de captação. Entre os aprovados, há iniciativas nas áreas de música, teatro, literatura, eventos e restauração de museus e patrimônios tombados. Os recursos, diz o secretário de Fomento e Economia da Cultura, Henilton Menezes, estavam bloqueados pelo governo anterior.

Algumas dessas captações eram de 2021 e estavam presas a um sistema legal pelo qual é preciso que o proponente, depois de autorizado pelo Ministério da Cultura (na gestão passada era Secretaria Especial de Cultura) a executar o projeto, precisa atingir 20% do montante de seu custo para que o ministério cheque sua regularidade fiscal dentro e fora do ministério.

Com tudo em ordem, o dinheiro passa, então, de uma conta de captação para outra de movimentação – e assim o projeto pode andar. Era essa checagem, segundo o secretário, que estava parada no último ano do governo Bolsonaro.

A antiga administração também bloqueou projetos já em andamento – a partir dos 20% captados, o dinheiro deve, segundo a lei, ser transferido automaticamente para as contas de movimentação.

<b>Captação</b>

Outro ato publicado no Diário Oficial da União foi a autorização para iniciar a captação. Ou seja, quando os produtores recebem o aval do ministério para bater na porta de empresas e pessoas físicas em busca de patrocínios para shows, peças, apresentações de dança, filmes, exposições.

Havia cerca de cinco mil projetos carecendo da autorização inicial de captação por parte do ministério – apenas uma análise de conformidade com a lei.

No meio disso tudo, se encaixa o caso da atriz Claudia Raia. Ela não recebeu um centavo do governo federal, mas, de acordo com a lei, foi autorizada a captar R$ 5 milhões – cada produtor pode requerer até cinco projetos num total de R$ 6 milhões – por meio de sua empresa, a Raia Produções Artísticas, para a execução de dois projetos.

Ou seja, isso significa que o produtor de Claudia pode buscar empresas ou pessoas físicas dispostas a patrocinar seus espetáculos em troca de renúncia fiscal. Na aprovação final do ministério, o montante, inclusive, pode ser reduzido se os pareceristas do MinC entenderem que ele está supervalorizado. Em outra hipótese, a atriz talvez não consiga captar todo o valor com os patrocinadores.

Outros projetos de diferentes proponentes também estão na lista publicada pelo governo. Como o espetáculo Disney On Ice, autorizado a captar quase R$ 4 milhões para apresentações em Porto Alegre. Ou o Instituto Guga Kuerten, que pleiteia cerca de R$ 200 mil para a manutenção de um grupo de dança formado por crianças ou adolescentes em vulnerabilidade social.

Entretanto, diante da quantia substanciosa, Claudia Raia se tornou a bola da vez no tribunal virtual. Tão logo a notícia se espalhou, a atriz começou a ser atacada nas redes sociais. Ela limitou os comentários à sua conta no Instagram. A reportagem do <i>Estadão</i> procurou a assessoria artística da atriz e perguntou se ela iria se manifestar sobre a questão, mas não obteve resposta.

O projeto de Claudia suscitou a velha discussão sobre se a Lei Rouanet deveria, ou não, beneficiar artistas de grande nome. O secretário Henilton Menezes diz que há uma interpretação errônea da lei.

"Já li a lei umas 500 vezes e isso não está escrito nela. Essa é uma leitura equivocada. A Rouanet foi criada para que a população tenha acesso mais facilitado às manifestações culturais. Não damos dinheiro a artistas, como se pensa. É uma ação do governo para promover um dos setores econômicos do País", diz Menezes, autor do livro A Lei Rouanet – Muito Além dos (F)atos.

<b>Contrapartidas</b>

Segundo ele, qualquer artista, famoso ou iniciante, pode reivindicar os benefícios da lei, desde que ofereça contrapartidas à sociedade – como ingressos mais baratos, 20% de entradas gratuitas, transporte a pessoas em vulnerabilidade social e acesso a pessoas com deficiência.

"O ministério não faz análises subjetivas e nem julga projetos ou artistas. Cada um desenha seu projeto do tamanho que deseja. A análise tem que ser técnica, dentro da lei", diz o secretário. O orçamento da Lei Rouanet para 2023 é de R$ 2,1 bilhões.

Para o professor João Luiz de Figueiredo, coordenador do Mestrado Profissional em Gestão da Economia Criativa da ESPM, um dos méritos da Rouanet está justamente nesse caráter que ele chama de "liberal". O governo, adverte, "não tem como escolher qual projeto será financiado. Depois de passar pelo processo técnico do ministério, os proponentes vão captar os recursos no mercado. Se o mercado entender que o projeto é bom, ele acontece. Isso é o que explica a longa duração da Rouanet".

Figueiredo diz que a produção cultural, além do valor intrínseco da cultura, tem um valor econômico e de impacto social. Para ele, o destravamento de quase 2 mil projetos pelo governo atual significa a volta da atividade cultural ao campo da política pública brasileira.

<b>Distorções</b>

Diante de sistemáticos ataques, sobretudo nos últimos quatro anos, uma questão que surge é a de que talvez seja o momento de o Ministério da Cultura se mostrar mais assertivo nos atos e propósitos da Lei Rouanet. Para Figueiredo, esse processo precisa abarcar todos os setores envolvidos – ministério, artistas, empresas e setor acadêmico – para, sobretudo, esclarecer todos aqueles que são bombardeados com notícias falsas ou distorcidas.

"Há um grupo que sabe como a lei funciona, mas quer atacar a cultura brasileira e busca, em casos como o de Claudia Raia, criar a desinformação. Obviamente que R$ 5 milhões é muito dinheiro para 99,9% da população brasileira, mas na produção de um evento cultural, ou melhor, um projeto econômico, a escala é outra", destaca.

O secretário Menezes admite que a lei precisa ser mais bem explicada à população, apesar de já existir há mais de 30 anos. É necessário mostrar que ela beneficia também projetos menores e em diferentes regiões do País – embora haja uma concentração do incentivo fiscal na Região Centro-Sul, onde há também uma centralização da economia do País.

Entretanto, Menezes afirma que, por ora, a preocupação maior é melhorar o fluxo de execução da lei. Isso, segundo ele, deve democratizar o acesso ao mecanismo. Está previsto, por exemplo, um edital com a Cufa – Central Única das Favelas.

Um novo decreto, previsto para ser publicado no próximo dia 15 de fevereiro, deve determinar que a análise dos projetos volte a ser função da Comissão Nacional de Cultura, deixando de ser centralizada no secretário, como instituiu a gestão de Bolsonaro.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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