Estadão

Putin vira alvo de sua própria máquina de mentiras na Rússia

A breve rebelião de Yevgueni Prigozhin na Rússia começou e terminou com mensagens no Telegram. Enquanto repórteres e analistas tentavam entender o que acontecia, o líder mercenário era fonte direta da pouca informação disponível. Ninguém sabe ainda o que aconteceu, mas durante algumas horas Prigozhin utilizou uma das armas mais eficientes do Kremlin: a desinformação.

Entre as mensagens postadas para 1,3 milhão de seguidores, Prigozhin acusou o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, de ordenar ataques aéreos contra tropas do Grupo Wagner e as autoridades russas de mentir ao invadir a Ucrânia. As mensagens eram acompanhadas de vídeos, que corroboravam as alegações (segundo analistas do Meduza, um jornal independente russo, alguns vídeos eram encenados).

Mas a revolta se arrefeceu e o líder mercenário desistiu de marchar até Moscou. Para a rebelião que significou o maior desafio a Vladimir Putin desde que ele chegou ao poder, em 2000, as informações confiáveis sobre o motim permanecem poucas. Por um lado, isso se deve ao controle rígido do Kremlin sobre a imprensa. Por outro, se deve ao fato de o próprio Prigozhin fazer parte da máquina de desinformação construída por Putin há anos e saber como utilizá-la.

<b>CAMPANHAS</b>

"Esse é um episódio confuso. Não podemos confiar em Putin, não podemos confiar em Prigozhin. Não sabemos a verdade, e isso acontece por causa da máquina de desinformação criada pela Rússia com o apoio de Prigozhin", disse o analista Jakub Kalensky, do Centro Europeu de Excelência para Combater Ameaças Híbridas (Hybrid CoE, na sigla em inglês). "Na Ucrânia e em vários países do mundo, essa estratégia que agora atingiu Putin foi utilizada com a mesma finalidade, de confundir".

Na Ucrânia, as campanhas de desinformação da Rússia começaram muito antes da guerra e se tornaram cruciais durante o conflito. Através de redes sociais, a propaganda russa se espalhou para justificar a invasão, minar a confiança dos ucranianos no governo e fazer revisionismos históricos, como insistir que a Crimeia sempre fez parte da Rússia.

As campanhas são feitas por perfis falsos em redes sociais, sites anônimos, que emulam jornais confiáveis, e da mídia estatal. Uma das principais estruturas utilizadas pela Rússia é a Internet Research Agency, organização de "trolls" (perfis caracterizados por inflar discussões na internet) que é acusada de manipular as eleições americanas de 2016 em favor de Donald Trump. Por trás da organização está Prighozin.

Segundo Kalensky, as campanhas são adaptadas de diferentes formas dentro da Ucrânia e em outros países do mundo para mais de uma finalidade. "Na Ucrânia, ela é utilizada para diminuir a resistência e aumentar o apoio à Rússia. Em outros países, isso é diferente, e a Rússia busca construir a imagem de que a guerra é uma luta contra o imperialismo", disse.

No Reino Unido, por exemplo, influenciadores do TikTok estavam recebendo pagamentos russos para ampliar as narrativas do Kremlin, de acordo com investigação do jornal The Guardian. Os trolls eram responsáveis por engajar perfis genuínos que têm opinião favorável à Rússia. Uma das principais tarefas era direcionar a atenção dos comentários em favor dos russos.

<b>ESTRATÉGIA</b>

A desinformação também é feita de maneira oficial. No início do conflito, as embaixadas russas, incluindo a do Brasil, publicaram mensagens justificando a guerra como um conflito contra o imperialismo ocidental. A mídia estatal fez paralelos entre a invasão e os crimes de guerra cometidos por outros países, numa estratégia chamada de "whataboutisms" (responder um problema original comparando-o a um problema diferente).

Como grande parte das campanhas de desinformação, os russos utilizam aspectos verdadeiros para construir falsas narrativas. Segundo a Associated Press, os laboratórios biológicos americanos na Ucrânia, por exemplo, existem desde os anos 90 como parte de uma iniciativa para reduzir as armas biológicas. O programa tem um site oficial no qual o governo americano afirma ter parceria com a Ucrânia desde 2005.

A ausência de informações confiáveis também promove desinformação dentro da própria Rússia. Desde que a guerra começou, o Kremlin aumentou a repressão à imprensa independente. Os canais estatais se espalharam e muitos russos recorrem a canais do Telegram para ter acesso a outras fontes de informação. Foi lá que Prigozhin conseguiu disseminar sua mensagem para milhares de seguidores.

À medida que as tropas mercenárias do Wagner se envolveram nos combates da Ucrânia, Prigozhin se tornou um dos rostos mais proeminentes, com mensagens frequentes e muitas vezes cruéis do front. Aos poucos, ele se irritou com autoridades russas e direcionou mensagens contra o alto comando militar. O Kremlin se viu vítima da própria armadilha.

O rápido levante de Prigozhin terminou com um acordo mediado pelo ditador de Belarus, Alexsander Lukashenko. O mercenário ficou em silêncio por dois dias, e reapareceu em seguida, afirmando que as tropas do Wagner receberam apoio em diversas cidades.

Fotos de moradores tirando selfie com ele na saída de Rostov reforçam a tese. Mas o jornal independente Moscow Times, proibido desde 2022, contesta que esse apoio tenha acontecido como Prigozhin afirma. Dentro da Rússia, no entanto, é impossível saber qual a ideia circula mais fortemente.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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