Após um ano, Belém volta a ver sistema funerário perto do colapso

Em 2020, pouco mais de um mês depois do início da pandemia de coronavírus, Belém começou a dar sinais de colapso no sistema funerário. No Instituto Médico Legal (IML), corpos de dezenas de vítimas da covid-19 eram retirados de um caminhão frigorífico e amontoados no chão. Não havia vagas nos cemitérios públicos da capital paraense. Um ano depois, o cenário se repete.

Com a superlotação da rede pública de Saúde, a falta de leitos de UTI e o aumento no número de mortos, a demanda de sepultamentos também subiu. Segundo o Sindicato das empresas do segmento funerário do Estado do Pará (Sindef), no principal cemitério público de Belém, no bairro do Tapanã, são realizados diariamente oito sepultamentos, quatro no período da manhã e outros quatro à tarde, até as 16 horas. Após esse horário, o atendimento é retomado somente a partir das 9h do dia seguinte.

As famílias enlutadas que dependem do cemitério público precisam da confirmação da vaga para encaminhar o sepultamento. No sábado, 13, Javan Costa recebeu a ligação comunicando a morte da sogra, Maria Conceição Vilhena, de 71 anos. Ao buscarem uma vaga no Cemitério do Tapanã, foram informados de que o sepultamento só seria possível na segunda-feira, 15. Familiares da doméstica Cilene Araújo Sampaio passaram por uma experiência semelhante. O tio faleceu também no sábado e a falta de uma vaga no cemitério público obrigou a família a fazer uma coleta emergencial. "Tivemos que tirar dinheiro de onde não tinha para comprar uma sepultura", lamenta.

Quem não consegue esperar por uma vaga tem que arcar com os custos do sepultamento. O gerente de uma funerária no bairro do Guamá, Rafael Cabral, relata que atendeu duas famílias no último final de semana nessas condições. Além da burocracia, há também o número insuficiente de funcionários para atender demandas no cemitério público. "São poucos coveiros, que trabalham manualmente, e por isso não dão conta de atender quem precisa", avalia.

Além da incerteza de uma vaga, a burocracia é outro problema que aflige as famílias que buscam o Tapanã. Quando é confirmada a disponibilidade da sepultura, a Agência Distrital de Icoaraci, órgão ligado à prefeitura de Belém, responsável pela administração do cemitério, emite a guia de pagamento, que deve ser quitada em uma agência lotérica. O processo não é eletrônico e só há marcação do sepultamento com o documento pago em mãos. "Em alguns casos, isso leva o dia todo e as famílias aguardam mais de 24 horas para enterrar seus mortos", afirma Ronaldo Borges, presidente do Sindef.

Os problemas no cemitério do Tapanã ocorrem há tempos. O local, apesar de possuir uma área extensa, cerca de 129 mil metros quadrados, não dispõe de espaço para novas construções. Em 2019, o Ministério Público do Pará ajuizou uma ação civil pública contra a prefeitura de Belém para imediata interdição do local em razão do mau funcionamento e contaminação dos poços artesianos situados nas proximidades, além de outras irregularidades. À época, o MP pediu, ainda, providências para a construção de um novo cemitério público municipal.

De acordo com o Sindef, em 2020, para tentar agilizar os sepultamentos, a prefeitura de Belém adquiriu sepulturas em um cemitério particular, também no bairro do Tapanã. À época, foram anunciadas a aquisição de 312 sepulturas, mas, segundo Borges, o número é bem maior e a dívida não foi quitada. A prefeitura de Belém confirma que foram requisitadas, pela gestão anterior, mil sepulturas no cemitério Parque Nazaré, porém nega a existência de pendências no pagamento e vagas não utilizadas.

Sobre o cemitério do Tapanã, o único com rotatividade, a prefeitura não se manifestou. Em nota, o Departamento de Administração de Necrópoles (DANE) informou que outros quatro cemitérios municipais não realizam mais sepultamentos ou dispõem somente de sepulturas familiares. A prefeitura diz que possui servidores para atender a demanda atual dos cemitérios públicos. Mas, ao mesmo tempo, elabora um chamamento público para contratar.

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