A Advocacia do Senado informou ao Supremo Tribunal Federal que "não há qualquer comprovação" sobre custo de R$ 6 bilhões aos cofres públicos com o fim da saidinha de presos. A manifestação contra a liberação de presos em datas específicas, enviada à Corte nesta terça, 30, contesta dados do Conselho Nacional de Justiça sobre "custo adicional" com a obrigatoriedade de que detentos passem por um exame criminológico para progressão da pena – prevista na mesma lei que deu fim à saidinha.
A lei agora analisada pelo Supremo foi pivô de embate entre o Executivo e o Legislativo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou as mudanças que haviam sido propostas pelos parlamentares – de modo a liberar a saidinha -, mas os vetos foram derrubados pelo Congresso.
Em seu parecer ao STF, a Advocacia do Senado rebate a informação do CNJ de que a lei "promove criação ou alteração de despesa". O braço jurídico do Senado afirma que a lei não produzirá "impacto financeiro-orçamentário direto".
Segundo o Senado, hoje o juiz de execuções penais pode ordenar a realização de exame criminológico e assim é "razoável supor que as varas de execução penal já dispõem de uma estrutura mínima para realizá-lo".
O argumento contraria diretamente estudo do CNJ que estimou impacto de R$ 6 bilhões com base no "custo de manutenção das prisões", levando em consideração um cenário em que as equipes já existentes nos presídios sejam responsáveis pelos exames de caráter criminológico.
O CNJ alertou para um efeito bola de neve, com a possibilidade de os exames pendentes irem se acumulando. Segundo o Conselho, essa situação barra a progressão de regime de 283 mil presos em um ano. Um detento permaneceria 197 dias a mais na prisão.
Além do impacto financeiro direto da medida, o CNJ projetou o aumento da população prisional nos próximos quatro anos considerando a "manutenção prolongada" de prisões, aguardando a realização de exames criminológicos.
De acordo com o estudo, a nova demanda criada pelos parlamentares implicaria em um custo anual de até R$ 170 milhões apenas para a composição das equipes técnicas aptas à realização dos exames – grupos multidisciplinares, de três profissionais.
A Advocacia do Senado sustenta que um julgamento do STF não pode vedar a função de legislar. O veto à liberação de detentos está sendo contestado na Corte sob argumento de violação à decisão do STF que declarou o "estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário".
Para o Senado, a decisão do STF deixa claro que a saidinha "não foi e não poderia ser pedra de salvação da situação prisional".
"Justamente pela complexidade dos fatores que levam à superlotação e à violação sistemática dos direitos dos presos é que a resolução da problemática não está atrelada à atuação individual de um dos Poderes da República, mas da conjunção de atuações inclusive em diferentes esferas federativas", registrou o braço jurídico do Senado.
As informações foram enviadas ao ministro Edson Fachin, relator de ações no STF que contestam a lei que derrubou a saidinha. As ações são de autoria da Ordem dos Advogados do Brasil e da Associação Nacional de Defensores Públicos. Ainda não há data para o julgamento que será realizado pelo Plenário.
Na manifestação, o Senado rebate uma das principais alegações da OAB e da entidade dos defensores, de que o fim da saidinha configura retrocesso em direitos fundamentais, vedado pela Constituição.
A Advocacia do Senado afirma que o princípio constitucional não pode ser interpretado a ponto de significar "indevida petrificação da legislação".
O Senado diz que a lei "não vulnera o núcleo essencial da dignidade humana, do devido processo legal, da individualização das penas ou o dever especial de proteção à família, não implica instituição de uma pena de caráter perpétuo ou cruel ou exclusão do direito à intimidade do preso, e tampouco significa revogação do aspecto de reintegração social da pena ou do direito à convivência familiar dos presos".
<b>Irretroatividade</b>
O parecer do Senado evita versar sobre a possibilidade da retroatividade da lei – sobre ela incidir ou não nos casos de pessoas que já estão presas. O parlamento juntou aos autos frases ditas por senadores durante o debate do texto, entre eles Fabiano Contarato, Efraim Filho e Sérgio Moro. Os parlamentares divergiram sobre o tema.
Em decisão monocrática, o ministro André Mendonça reconheceu que a lei não vale para detentos que já estão presos, ou seja, não tem efeitos retroativos.
"Entendo pela impossibilidade de retroação da Lei nº 14.836, de 2024, no que toca à limitação aos institutos da saída temporária e trabalho externo para alcançar aqueles que cumprem pena por crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa – no qual se enquadra o crime de roubo -, cometido anteriormente à sua edição, porquanto mais grave", anotou.