A China emperrou nesta segunda-feira, 20, a entrada da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) no Comitê sobre Organizações Não-Governamentais (ONGs) das Nações Unidas, durante uma reunião diplomática realizada em Nova York. Embora o encontro dure até o dia 29, a Anajure pretende responder formalmente ainda nesta semana, para reverter a objeção chinesa à candidatura brasileira.
A Anajure conta com apoio do Itamaraty para ingressar no comitê da ONU. Ele é diretamente vinculado ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), ao qual estão afiliadas com status consultivo "especial" cerca de 4,4 mil ONGs de todo o mundo. Essa é a credencial à qual a Anajure se candidatou.
O Brasil é um dos 19 países cujas delegações diplomáticas fazem parte do Comitê das ONGs, ao lado de Barhein, Burundi, China, Cuba, Estônia, Eswatini (Ex-Suazilândia), Grécia, Índia, Israel, Líbia, México, Nicarágua, Nigéria, Paquistão, Rússia, Sudão, Turquia e Estados Unidos. O mandato atual vai até 2022. A manifestação de qualquer um desses países pode travar a entrada de uma ONG candidata. Caso ninguém questione, a adesão é confirmada.
As ONGs buscam se credenciar no comitê com status consultivo para poder emitir opinião, por meio de representantes, nos fóruns das ONU em Nova York e Genebra. Uma vez aceitas, elas têm acesso a eventos e mecanismos de consulta de outros órgãos das Nações Unidas e comissões da Assembleia-Geral, por exemplo.
No âmbito do Comitê das ONGs, passam a encaminhar documentos sobre assuntos a que se dedicam nos respectivos países para apreciação dos diplomatas e, a cada quatro anos, emitem um relatório de atividades ao Conselho Econômico e Social.
O Brasil tem atualmente 44 ONGs com status "especial" dedicadas a temáticas distintas como gênero, LGBT, crianças, indígenas, ciência, meio ambiente e direitos humanos, entre outros. A Anajure espera ser a primeira de viés religioso-protestante.
A Anajure é credenciada com status consultivo junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) e faz parte da Federação Interamericana de Juristas Cristãos, que reúne entidades similares de 15 países das Américas – nenhuma delas possui a credencial na ONU.
Por meio de um representante no encontro desta segunda-feira, a China pediu verbalmente mais explicações sobre a presença da Anajure e suas atividades no exterior, desenvolvidas em Portugal, nos Estados Unidos e na Jordânia.
Formulada por um diplomata chinês, a questão é considerada uma estratégia retórica. A uma outra ONG estrangeira, por exemplo, o mesmo diplomata usou como argumento para barrar a adesão o fato de que o nome oficial de seu país, República Popular da China, constava escrito de forma errada no site da entidade. Nos bastidores do Comitê das ONGs, circula a hipótese de que cobranças da Anajure por respeito aos direitos humanos na China possam ter desagradado.
A Anajure pode responder verbalmente no auditório onde ocorre a sessão do Comitê de ONGs por meio de seu presidente, o advogado Uziel Santana, que viajou a Nova York. O jornal <b>O Estado de S. Paulo</b> apurou, porém, que uma carta explicativa sobre atividades em defesa dos direitos humanos e ajuda humanitária já foi redigida para distribuição entre as delegações nesta terça-feira, dia 21. A entidade pretende também fazer lobby para remover a objeção junto à embaixada chinesa em Brasília.
A oposição de Pequim pode ser revista também em maio, quando ocorre outra reunião do comitê. A recomendação do comitê sobre as ONGs candidatas é a base usada pelo Conselho Econômico e Social para aprovação do status de adesão das ONGs durante um encontro de cúpula a ser realizado em junho.
A adesão célere da Anajure era dada como certa por diplomatas brasileiros, que entendiam faltar apenas entraves burocráticos, já que desde 2017 a instituição deu início às tratativas para se credenciar. É necessário preencher um longo questionário, encaminhar um dossiê com informações sobre registro no País, atividades e formas de financiamento. A direção da Anajure chegou a conversar até com o chanceler Ernesto Araújo para obter apoio no lobby diplomático.
O pedido da Anajure faz parte de uma lista com 360 novas ONGs de todo o mundo que tentam ingressar no Comitê das ONGs. Entre elas, o Centro de Apoio aos Direitos Humanos Valdício Barbosa dos Santos, uma instituição de Vitória (ES), mas que também enfrentou resistências nesta segunda-feira: a delegação de Cuba pediu mais explicações sobre o orçamento dos projetos e a forma de financiamento da ONG, que tem parcerias com o governo do Estado.
Fundada em 2012, a Anajure possui atualmente cerca de 700 associados no meio jurídico, como juízes, advogados, promotores e procuradores, além de estudiosos e teóricos do Direito. A entidade é controlada por membros das chamadas igrejas protestantes históricas, com destaque para a Presbiteriana, a Batista e a Metodista, entre outras.
Embora mantivesse diálogo com ministros em governos passados, como os de Michel Temer e de Dilma Rousseff, a associação ampliou a interlocução política no governo Jair Bolsonaro, inclusive com o próprio presidente, e para além do Palácio do Planalto, em ministérios como Educação, Justiça e Segurança Pública, Relações Exteriores, Advocacia-Geral da União e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Apesar de se declarar independente, a Anajure apoia grande parte das decisões do presidente e dá sustentação, sob a ótica religiosa, a uma série de medidas do governo, sendo pontualmente contra algumas posições.