Economia

Ajuste fiscal não virá de um pacote simples, avaliam especialistas

O ajuste fiscal não virá de um pacote simples. O esforço da nova equipe econômica para cumprir a missão de equilibrar as contas públicas e garantir um superávit primário de 1,2% do PIB em 2015 tende a ser formado por uma série de ações de impacto relativamente modesto, na opinião de especialistas.

O leque de medidas consideradas pelos diferentes economistas ouvidos pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado, é vasto. Em um ponto, contudo, todos convergem. O ajuste fiscal precisará ser feito tanto para aumentar a receita quanto para diminuir a despesa. “É importante ter em mente que nem todo ajuste poderá vir da redução de despesas”, diz o economista do Itaú Unibanco, Luka Barbosa. “Vai ser impossível fazer o ajuste sem aumentar carga tributária, sendo que reduzir despesa significa repensar a dinâmica dos gastos sociais nesse governo”, diz o especialista em contas públicas Mansueto Almeida.

Em meio a problema de solução tão complexa, é possível indicar uma boa notícia. Se todas as medidas mencionadas pelos seis especialistas entrevistados pelo Broadcast forem implantadas, é possível cumprir a meta de superávit primário no próximo ano. Isso não significa que esse pacote de múltiplas ações está imune a qualquer tipo de resistência, dentro e fora do governo.

Entre as medidas mais citadas pelos especialistas com o objetivo de aumentar a arrecadação está o retorno da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre combustíveis, possibilidade confirmada nesta semana pelo ministro indicado para a Fazenda, Joaquim Levy. Alguns analistas argumentam que a forte queda nos preços internacionais do petróleo nos últimos meses compensaria esse aumento na tributação, reduzindo o impacto ao consumidor final e o efeito na inflação.

As estimativas divergem sobre qual seria o valor da Cide. A alíquota máxima, prevista na Lei nº 10.636 de 30 de dezembro de 2002, é de R$ 0,86 por litro de gasolina e R$ 0,39 por litro de diesel. Barbosa, do Itaú Unibanco, considera o restabelecimento da Cide a R$ 0,14 por litro de gasolina e R$ 0,07 por litro de diesel, o que geraria mais R$ 9 bilhões de arrecadação. O especialista em contas públicas da Tendências Consultoria Integrada, Felipe Salto, afirma que, se o tributo voltar a R$ 0,50 por litro de gasolina, a arrecadação extra seria de até R$ 13 bilhões ao ano, o equivalente a 0,23% do PIB.

O retorno do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para automóveis, linha branca e móveis também poderia render entre R$ 7 bilhões e R$ 13 bilhões ao ano, segundo as estimativas de Barbosa e Salto. O tributo sobre os automóveis foi reduzido em maio de 2012, caindo de 7% para 3% no caso de modelos com até 1.000 cilindradas. Nesse caso, o governo trabalha com um aumento a partir de 1º de janeiro de 2015, mas ainda não está claro qual seria a alíquota. No caso dos móveis, painéis e revestimento, o IPI está atualmente em 4%, da taxa normal de 5%. E na linha branca a alíquota está em 10%, sendo que a taxa cheia é de 15%.

No caso do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que incide sobre diversos tipos de transações, com alíquotas que variam dependendo do prazo e outras variáveis, a recomposição das taxas que foram reduzidas nos últimos anos engordaria os caixas do governo em cerca de R$ 3 bilhões, nas contas de Felipe Salto. Já o fim da desoneração dos tributos federais sobre os 16 produtos da cesta básica significaria mais R$ 9 bilhões nos cofres públicos, de acordo com o economista da consultoria Tendências.

O governo já anunciou que pretende mudar o modelo de tributação de bebidas frias – cerveja, água, refrigerantes e isotônicos – para elevar a arrecadação em R$ 1,5 bilhão por ano, segundo estudo do Ministério da Fazenda. Além disso, fala-se sobre a possibilidade de cobrança de PIS e Cofins sobre todos os importados e a elevação da tributação no setor de cosméticos. As duas mudanças representariam mais R$ 5 bilhões para os cofres públicos, de acordo estimativas não oficiais. São medidas em estudo desde 2013 e que o governo não conseguiu tirar do papel, por pressão das empresas.

Outra forma de elevar a arrecadação é não corrigir a tabela do imposto de renda, lembra Otto Nogami, professor de economia do Insper. A Medida Provisória 644 corrigia a tabela em 4,5%, mas perdeu validade no fim de agosto. Na ocasião, a Receita Federal estimava que a correção geraria uma perda de arrecadação de R$ 5,3 bilhões em 2015. Nesta quarta-feira, o Congresso aprovou a MP 656, com emenda de última hora que incluiu um reajuste de 6,5% na tabela do IR, mesmo com a oposição do Palácio do Planalto.

Mesmo com todas as medidas descritas acima, o governo não conseguiria cumprir a meta de superávit primário sem um forte contingenciamento nos gastos e/ou a criação de um novo imposto. A sigla que mais circula entre os políticos não é nova: trata-se da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF), que vigorou entre 1997 e 2007, com alíquota de 0,38% no período final. Segundo Salto, da Tendências, o retorno daria uma forte ajuda de até R$ 65 bilhões para a arrecadação.

O retorno da CPMF, no entanto, não é nada fácil. A não prorrogação do imposto foi considerada uma das maiores derrotas dos oito anos do governo Lula no Congresso. Em 2008, o governo tentou substituir a tributação provisória, com a proposta de uma Contribuição Social para a Saúde (CSS), mas o projeto não foi para frente. O tema divide, inclusive, a base aliada.

O economista especializado em contas públicas, Fábio Giambiagi, diz não crer que alguém se aventuraria a propor a sério a volta da CPMF, o que “seria politicamente suicida”. “Mesmo as medidas que dependem apenas de uma canetada não são fáceis de serem adotadas. Aumentar imposto nunca é fácil, gera reação de determinados setores”, acrescenta Salto. “Existe também o aspecto político. Uma vez concedido um benefício, é muito difícil o governo tentar reverter”, afirma Nogami, do Insper.

O professor reconhece que as medidas de ajuste fiscal têm um forte componente recessivo, por isso diz que elas precisam ser implementadas com cuidado. Giambiagi também vê um cenário de atividade fraca em 2015, o que dificulta a missão do governo. “Será necessário apertar o cinto, com o PIB crescendo muito pouco e algumas receitas não recorrentes sendo menores”, afirma.

Mansueto Almeida vai além. Ao não considerar receitas extraordinárias e outros fatores que apontam um superávit primário em 2014, ele afirma que o País já vive um déficit primário recorrente de 0,50% do PIB. Ou seja, para conseguir um superávit primário de 1,2% em 2015, o governo precisará ter um esforço equivalente a 1,7%. “Como o gasto no Brasil tem crescimento vegetativo alto, e a arrecadação tende a crescer pouco como o PIB, o atual governo terá de buscar um superávit primário de 4% do PIB ao ano até o fim do mandato para equilibrar as contas”, diz Almeida.

O consultor de contas públicas Raul Velloso corrobora o que diz Almeida, observando a evolução da receita tributária no governo Dilma. No primeiro ano do atual governo da presidente, a receita chegou a crescer a dois dígitos. Em 2014, não cresce nem 1%. No período de 12 meses encerrados até outubro, o aumento foi de 0,4%.

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