Os pais do espanhol Gabriel Pérez Barreiro, curador da 33ª Bienal de São Paulo, que será aberta em setembro de 2018, eram tradutores. Emigraram para Londres, mas essa hibridação não impediu que ele se apegasse à cultura galega e, posteriormente, se transformasse num dos grandes promotores da arte latino-americana no mundo. Doutor em história da arte pela Universidade de Essex, no sudeste do Reino Unido, ele cuidou da coleção da venezuelana Patricia Phelps de Cisneros, foi curador da parte latina do Blanton Museum of Art da Universidade do Texas e, em novembro de 2007, dirigiu a 6ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, respondendo de modo afirmativo a uma questão: pode uma bienal ser uma instituição pedagógica?
“Não só pode como deve”, reafirma Pérez Barreiro, quarto estrangeiro em edições consecutivas – os outros foram Pérez-Oramas, Charles Esche e Jochen Volz – a assumir a maior mostra de arte do País. Em entrevista, o curador, que também assina a mostra dedicada ao crítico brasileiro Mário Pedrosa no Reina Sofia, diz que certamente herdou dos pais, Fernando e Teresa, o gosto pela tradução. Não que Pérez Barreiro pretenda fazer da Bienal um encontro literário entre escritores e artistas. Curador, ele define como sua principal missão a de “traduzir” obras visuais. A arte, segundo Pérez Barreiro, é uma linguagem como qualquer outra e precisa, sim, de tradução.
“Esse exercício de mediação é bonito e necessário”, justifica. “Quem não fala a língua da arte contemporânea, pode não entender o que uma bienal mostra e vai certamente precisar de ajuda.” Essa preocupação pedagógica vem desde os tempos em que era curador de arte latino-americana do museu Blanton (de 2002 a 2008) em Austin. Lá, ele reorganizou o sistema de classificação de obras, incluindo nas fichas catalográficas não só informações sobre os artistas, mas sobre as cidades em que viveram. Queria acabar com a ideia reducionista que têm os americanos de que a cultura latina é uma só – e quase sempre exótica.
“Isso não existe aqui no Brasil”, diz. “A Bienal de São Paulo, desde 1951, quando concederam um prêmio ao suíço Max Bill, nunca viu os estrangeiros como exóticos, contemplando sempre a diversidade”, observa. Por isso mesmo, ele sinaliza que não pretende transformar a próxima edição da Bienal num veículo para suas preferências pessoais (a arte construtiva latino-americana) ou promover artistas ligados à histórica abstração geométrica. Não adianta nomes que devem participar da Bienal, mas faz uma profecia: “O protagonismo do curador está chegando ao fim”. Pérez Barreiro diz isso evocando as primeiras bienais, que foram organizadas por intelectuais e artistas, não por curadores, quase sempre dispostos a eclipsar quem cria obras de arte.
Chegamos a um ponto de saturação em termos de curadoria. Antes, lembra, o curador era uma figura quase invisível. A ênfase no projeto educacional na 6ª Bienal do Mercosul, diz ele, ajudou-o a perceber o que seu mentor Mário Pedrosa descobriu por si só: que o crítico aprende com a arte, não o contrário. A cultura transatlântica de Pérez Barreiro deve muito ao modelo teórico de Pedrosa, admite. “Ele não desprezou a relação afetiva com a obra de arte, estabelecendo relações que ninguém ousara antes, como o diálogo entre Milton Dacosta e Maria Leontina com Morandi, propondo uma outra história da arte.”
“Hoje só se fala em modelo contemporâneo, ignorando-se o modelo histórico, o que pode, potencialmente, limitar a leitura de uma obra de arte.” Isso significa que Perez Barreiro, o historiador, vai resgatar o espaço museográfico de antigas bienais? Não. “Estou testando outros modelos, quero propor uma inovação nessa direção, porque o pavilhão da Bienal não tem condições museográficas e o que era viável no passado – trazer a Guernica de Picasso – hoje é impossível.” A tela Guernica, evoque-se, nem sai de um andar para outro no Reina Sofia.
Uma coisa é certa: Pérez Barreiro não despreza o fato de que a Bienal é feita para um público massivo. “Não é preciso, contudo, transformá-la em espetáculo, como em Veneza, pois a agenda da mostra de São Paulo não é turística, mas cultural.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.