É consenso que, em meio à recessão da economia, a restrição de crédito é um problema para as empresas. A forma de enfrentar isso, por outro lado, é objeto de divergência. Economistas ouvidos pelo jornal “O Estado de S. Paulo” fizeram análises distintas sobre a estratégia do governo de orientar os bancos públicos a socorrer empresas da cadeia produtiva de diversos setores com empréstimos em melhores condições.
Os dados mais recentes do Banco Central (BC) apontam alta de apenas 0,6% nas concessões totais de crédito para pessoas jurídicas nos 12 meses até junho – no acumulado do ano, houve queda de 0,4%.
Para o consultor Roberto Luís Troster, que foi economista-chefe da Febraban, entidade que representa os bancos, os números são sinal de que há uma “crise de crédito”. “O Brasil está com problemas, isso está freando a economia. Uma reforma de crédito daria um gás na economia”, afirmou Troster, crítico da estratégia anunciada nesta terça-feira, 18.
Na visão do economista Júlio Gomes de Almeida, professor do Instituto de Economia da Unicamp, “estamos perdendo o controle do tamanho da recessão”. “Se o crédito for embora, a coisa fica muito difícil”, afirmou Almeida.
Para o professor, oferecer linhas de crédito especiais para algumas cadeias produtivas que têm grande capilaridade na economia é positivo, mesmo que não resolva o problema. Em sua visão, o crédito apenas “dá fôlego” às empresas.
Mesmo assim, o modelo das linhas anunciadas pela Caixa hoje para o setor automotivo, que usam como garantia contratos de fornecimento com as montadoras, no caso do setor de autopeças, é positivo porque permite oferecer juros menores com menos subsídio. Na mesma linha, vai a oferta de capital de giro do BNDES, o Progeren, que teve as condições ampliadas na semana passada, com orçamento de R$ 7,7 bilhões até o fim do ano.
Almeida não vê problemas na seleção de alguns setores. Segundo o professor da Unicamp, cadeias de fornecedores das indústrias de bens de capital, eletroeletrônica, moveleira e química, além da automotiva, geram muitos empregos e movimentam a economia.
Troster discorda
“O governo poderia até fazer incentivos setoriais, mas, neste momento de crise de crédito e inadimplência, essas medidas só vão aliviar algumas empresas à custa de toda a sociedade”, afirmou o economista, que defende uma reforma do crédito, começando pela liberação dos compulsórios, os recursos dos bancos depositados no BC, com baixíssimo rendimento e que não podem ser emprestados.
Segundo Troster, são R$ 360 bilhões parados e liberar uma parte disso dinamizaria o crédito para todas as empresas. Outras medidas da reforma seriam mudar as exigências do BC em relação a provisionamentos para perdas (valores que os bancos separam no balanço para arcar com calotes), montar um cadastro de inadimplência “interativo” (usado por todos os bancos e com notas para cada tomador de crédito, empresa ou pessoa física, que funcionaria como os bônus do setor de seguros) e mudar o sistema de tributos.
Almeida e Troster discordam também sobre os impactos nas contas públicas. Para o professor da Unicamp, o custo em termos de recursos públicos é pequeno porque há boas garantias, no modelo usado no setor automotivo. Já Troster alerta para o risco de se “colocar dinheiro bom sobre dinheiro ruim”, pois em vários dos setores citados a demanda na ponta está fraca, como no caso das vendas de automóveis, em queda desde o início do ano.