Quando Lupicinio Rodrigues morreu, em 27 de agosto de 1974, sua obra era vista com bons olhos por grandes nomes da música brasileira. Após o surgimento da bossa nova, no fim dos anos 1950, as canções sobre amores perdidos e traições do compositor ficaram velhas. Era hora de abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim. Mas quem tratou de reabilitá-lo foi justamente o inventor da bossa: João Gilberto.
Corria o ano de 1971. Ao cantar Quem Há de Dizer em especial da TV Tupi, com participação de Gal Costa e Caetano Veloso, João repassou à geração influenciada por ele a consistência de sua obra. A partir daí, Caetano, Gal, Elis Regina, Paulinho da Viola e outros gravaram suas músicas com grande sucesso. Até o próprio Lupicinio fez um álbum em 1973, Dor de Cotovelo, o segundo e último como intérprete de seu repertório.
No ano de seu centenário, Lupicinio continua sendo revisto, Arrigo Barnabé e Elza Soares fazem shows dedicados ao compositor e procuram, cada um à sua maneira, fazer o que João Gilberto havia feito: imortalizar o cancioneiro do gaúcho.
História
O filho de Francisco Rodrigues e Abigail nasceu em 16 de setembro de 1914 em Porto Alegre e começou a compor na adolescência. Foi visto cantando em um bar da capital gaúcha por Noel Rosa, que disse “Esse garoto é bom, esse garoto vai longe”. Marinheiros que frequentavam a cidade ouviam suas músicas e as levavam para outros centros.
Paulinho da Viola contou, em show no ano passado no HSBC Brasil, ter sido procurado nos anos 1970 por um amigo do compositor em Porto Alegre, onde fazia show. Além de apontar erro na gravação de Nervos de Aço feita por Paulinho, o visitante afirmou que Lupicinio reunia os amigos quando uma música sua era gravada.
“Meus amiguinhos, gravaram mais uma música minha no Rio de Janeiro. Vamos aprender!”, afirmava, entre o gracejo e o descontentamento, por considerar alguns registros descaracterizados. Mas gravações de intérpretes como Francisco Alves e Orlando Silva mostram a passionalidade que permeia as canções do compositor.
O convívio com a boemia e os dissabores amorosos formam o esteio de Lupicínio como autor. Para Elza Soares, são ingredientes que fazem dele um inovador. “Ele foi o primeiro na música brasileira que teve coragem de expor o sofrimento por amor. É isso que o faz tão moderno. E todo mundo se identifica com Lupicínio por isso”, diz a cantora.
O próprio compositor disse algo semelhante. “A dor de cotovelo jamais morrerá. Já vi aparecer o charleston e o rock, mas nunca vi desaparecer a valsa e o bolero.” E também admitia, apesar de óbvio, que os dissabores amorosos o inspiravam. “Realmente, tive muitas namoradas. Umas me fizeram bem, outras me fizeram mal. As que me fizeram mal foram as que mais dinheiro me deram, porque as que me fizeram bem eu esqueci.”
Shows
Elza está excursionando com o show Elza Soares Canta Lupicinio Rodrigues, em cartaz no Rio de Janeiro neste final de semana. O espetáculo será gravado em DVD em apresentação em Porto Alegre no final do ano. Foi por intermédio de uma música dele, Se Acaso Você Chegasse – parceria com Felisberto Martins -, que a cantora atingiu o sucesso, nos anos 1950.
Em seus discos há gravações de Cadeira Vazia, Vingança e Quem Há de Dizer. Essas músicas também estão no repertório de Caixa de Ódio, show em no qual Arrigo Barnabé interpreta Lupicinio. “Na música, ele se mostra um grande observador da natureza humana que transita entre o bom e o mau gosto. As possibilidades interpretativas da música dele me interessam por isso”, considera Arrigo.
A intimidade com a obra de seu homenageado foi tamanha que o arquiteto da Vanguarda Paulista fará, a partir do mês que vem, Caixa de Ódio 2. O repertório será diferente, mas os músicos Paulo Braga e Sergio Espíndola permanecem no suporte instrumental.
Além dos shows, uma compilação da Universal Music dá bom panorama da obra de Lupicínio. Lupicinio Rodrigues – 100 Anos tem 16 faixas, entre elas gravações irretocáveis de Gal Costa (Volta), Elis Regina (Cadeira Vazia) e Caetano Veloso (Felicidade). O dez polegadas Roteiro de Um Boêmio (1955), estreia do compositor como cantor, nunca foi editado em CD. Dor de Cotovelo teve suas faixas lançadas em formato digital na coletânea Mestres da MPB, nos anos 1990. O álbum está fora de catálogo. É preciso dar voz a Lupicinio. Por ele mesmo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.