O incêndio que assustou a população de Guarujá na quinta-feira, 14, e espalhou fumaça tóxica para cidades vizinhas não foi a primeira ocorrência dessa natureza no último ano na região. Há menos de 10 meses, uma imensa coluna de fumaça saía do terminal da Ultracargo, localizado a menos de 20 quilômetros dos contêineres da Localfrio que pegaram fogo. Em consequência daquele acidente, a empresa agora enfrenta centenas de ações judiciais com pedido de indenização por dano material após uma série de consequências para o meio ambiente.
As chamas em seis tanques de combustíveis da Ultracargo, cada um deles com capacidade para até 6 milhões de litros, foram as que levaram mais tempo para os bombeiros paulistas debelar na história. Ao todo, foram mais de 192 horas, ou oito dias, até que o fogo fosse extinto, em uma ação que obrigou a suspensão do tráfego na via de acesso ao porto de Santos, o maior do País. E, até hoje, não se sabe ao certo o que deu início a ocorrência.
O combate ao incêndio e o consequente uso de bilhões de litros de água fez escoar para o estuário resíduos de combustível que prejudicaram o ecossistema. Na primeira semana após a ocorrência, já se contabilizava 10 toneladas de peixes mortos. Isso ajudar a entender quem forma a maioria das pessoas que ingressaram com ações: pescadores. Na Vara de Santos, pelo sistema eletrônico do Tribunal de Justiça, o Estado contou ao menos 300 ações contra a Ultracargo com pedidos de indenização. O número, porém, pode ser bem maior.
Advogado representante de três colônias de pescadores da região, Emerson Souza Gomes estima que tenha ingressado com cerca de 600 ações contra a empresa para reparações a moradores de Santos e localidades próximas – cada uma delas com valores entre R$ 100 mil e R$ 120 mil. A decisão por processos individuais ou por famílias, explica Gomes, deu-se após a Justiça não ter atendido os primeiros pedidos feitos no âmbito de uma ação coletiva.
Os pedidos de indenização mais recentes pelo caso tiveram entrada registrada na Vara de Santos na semana passada. “Pedimos dinheiro para os pescadores poderem comer e pagar contas básicas, mas infelizmente não tivemos sucesso nas primeiras tentativas. Agora, com as ações individuais, vamos aguardar a análise do Judiciário”, disse o advogado Emerson Souza Gomes.
Ele acredita que os prejuízos na região ainda persistam até hoje. “Não foi só a morte dos peixes naquele momento. Isso se expandiu para outras áreas e agora ficou a dúvida sobre a qualidade do pescado e a federação orientou a suspensão da atividade. Aí, os barcos saíram da água e os pescadores ficaram sem a forma de sustento”, disse.
Uma semana após o incêndio, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) aplicou multa de R$ 22,5 milhões ao grupo proprietário do terminal por danos ambientais, riscos à população e outras consequências na zona industrial de Santos.
A Cetesb detalhou que a sanção ocorreu por descumprimento da lei ambiental, nos seguintes pontos: lançamento de efluentes no estuário, emissão de efluentes gasosos na atmosfera, risco à segurança de comunidades próximas e pela mortandade de peixes de várias espécies, prejudicando a pesca.
Os pescadores não são os únicos a requererem indenizações em decorrência do incêndio. Com o travamento do trânsito ao porto por uma semana, ao menos 50 caminhoneiros que sofreram problemas com as cargas já haviam ingressado com ações judiciais, que ainda estão tramitando.
Acordo
Está em fase final o inquérito civil instaurado pelo Ministério Público para apurar as responsabilidades e consequências do incêndio nos tanques da Ultracargo. Segundo o órgão, a investigação ainda aguarda a conclusão das perícias finais na área do terminal.
Apesar disso, o MP antecipou que pretende ingressar com ação civil pública para cobrar da empresa reparações dos danos ambientais. A Polícia Civil, que também iniciou uma apuração, informou que aguarda o resultado de laudos.
Na portaria em que formalizou o inquérito, assinado por cinco promotores de Santos, foi destacado que a ocorrência “provocou alteração significativa” na qualidade da água “contaminada com derivados de petróleo” e que havia “sérias razões para se concluir que houve falha no plano de emergência” da empresa.
Quanto aos pescadores, o MP informou que, após meses de negativa para reuniões, a Ultracargo convocou uma tentativa de acordo, que foi marcada para esta quinta-feira, 21. Os promotores deverão propor que os pescadores recebam auxílio para ficar um mínimo de dois anos sem exercer a atividade na região.
Apoio
Em nota, a Ultracargo informou que logo após o acidente em abril “buscou apoio profissional para avaliar eventuais necessidades da comunidade local”. “A Ultracargo informa ainda que o monitoramento da área tem revelado que os impactos do incidente foram pontuais e temporários, tendo sido constatada a recuperação natural e paulatina do meio”, acrescentou.
A empresa confirmou que mantém diálogo com o Ministério Público em busca de um “acordo satisfatório para as partes envolvidas”. Sobre as ações, ela comentou que “aguarda a conclusão das investigações sobre as causas do incidente e não se pronuncia a respeito de ações judiciais em curso.”