Com um clima polarizado, a economia enfraquecida por causa da pandemia e temores de uma nova convulsão social, os bolivianos foram às urnas ontem com os candidatos pregando paz. A eleição presidencial ocorre quase um ano após uma disputa que, com suspeita de fraude, acabou na renúncia do presidente Evo Morales e sua fuga do país.
A votação, em meio a um cenário de acirramento político, ficou mais tensa poucas horas antes da eleição, quando o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) decidiu que não iria mais divulgar uma apuração preliminar para evitar especulações. Segundo a corte, a decisão veio pela falta de garantias de que os dados oferecidos pelo sistema Divulgação de Resultados Preliminares (Direpre) podem não coincidir com o resultado final, que tem a apuração mais lenta. O presidente do TSE, Salvador Romero, disse que o sistema de apuração trará um resultado "seguro, confiável e verificável".
Luis Arce, ex-ministro de Evo e tido como responsável pelo "milagre econômico" da gestão do líder socialista, e Carlos Mesa, ex-presidente d 2003 a 2005, despontavam como favoritos nas pesquisas que projetavam um segundo turno, que deve ser realizado em 29 de novembro.
Os dois principais candidatos reclamaram da medida, mas acenaram para uma trégua após uma campanha marcada por fortes ataques entre ambos.
Arce afirmou que a iniciativa da corte eleitoral levantava dúvidas sobre os resultados, mas evitou críticas mais assertivas. Após votar em uma seção eleitoral do colégio Miguel de Cervantes, no centro de La Paz, ele disse que seu partido, o Movimento ao Socialismo (MAS), voltará ao poder pelo voto. "Não tomamos o poder com armas, tomamos o poder por essa via democrática", disse.
Mais tarde, no Twitter, ele disse que o maior vencedor da eleição são os bolivianos. "Cumprindo com meu direito político e constitucional, votei esperançoso, confiando que essa jornada se desenvolva em paz e tranquilidade. O ganhador será o povo boliviano, que recuperará a democracia através do voto."
Coordenando a campanha de Arce da Argentina, onde vive exilado, Evo pediu que o resultado das eleições "seja respeitado por todos". "É muito importante que todas e todos os bolivianos, além dos partidos políticos, recebam com tranquilidade cada um dos votos, tanto nas cidades como nas áreas rurais, e que o resultado das eleições seja respeitado por todos", disse o ex-presidente socialista em declaração lida diante da imprensa em Buenos Aires. "A prioridade exclusivamente é a recuperação da democracia. Não caiamos em nenhum tipo de provocação", afirmou.
Já o candidato à presidência da Comunidade Cidadã (CC), Carlos Mesa, pediu à população que exerça seu direito de voto como parte do compromisso do país com a democracia. "É um dia extraordinariamente importante, nosso compromisso com a democracia é inalienável e esse compromisso não pode ser expresso de outra forma se não pelo voto", disse após votar na região de Mallasilla, também em La Paz.
Sobre a mudança na divulgação dos dados, ele pediu aos eleitores paciência. "Não é o ideal, mas entendemos perfeitamente. Vamos ser pacientes e pedimos à população que o seja", disse. Mesa afirmou que aguardaria o resultado das urnas na sede de campanha ao sul de La Paz "com prudência".
As eleições na Bolívia devem escolher, além do presidente e vice, novos representantes do Legislativo para os próximos cinco anos. Ao todo, mais de 7,3 milhões têm direito a voto nas 5.134 seções eleitorais. O governo colocou nas ruas pelo menos 35 mil policiais e militares para garantir a segurança na votação.
Mesmo com o aceno de uma trégua, a população temia ontem uma repetição do que ocorreu no ano passado depois de divulgado o resultado, quando conflitos nas ruas deixaram pelo menos 20 mortos. "Não sei ao certo o que vai acontecer, tenho medo do pior. Há boatos que nos assustam", disse Virginia Luna, de 41 anos, em frente ao colégio Agustín Aspiazu em La Paz, onde chegou muito cedo para votar. "Gostaria que o próximo presidente ajudasse as pessoas do campo, os pobres", disse Silverio Chirinos, um agricultor de 69 anos.
"É o fim de um ciclo do governo de Evo Morales e da crise política. Espera-se começar um processo de fortalecimento das instituições de todo o país", disse o cientista político Carlos Cordero, da Universidade Católica Boliviana. (COM AGÊNCIAS NTERNACIONAIS)
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>