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Defesa viu risco de punição a militares em ‘nova LSN’

O presidente Jair Bolsonaro atendeu a um pedido do Comando do Exército e do Ministério da Defesa ao vetar, no início do mês, artigos de uma norma aprovada pelo Congresso para revogar a Lei de Segurança Nacional (LSN). O projeto previa punições para quem tentasse impedir manifestações. Documentos obtidos pelo <b>Estadão</b> mostram que os chefes das Forças Armadas alegaram risco de militares serem presos por eventuais abusos cometidos durante operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs).

O veto, que pode ser derrubado pelos parlamentares em sessão marcada para segunda-feira, foi mais um gesto de Bolsonaro para agradar aos militares, um dos principais grupos de sua base de apoio. Como mostrou o Estadão, o presidente já comprometeu ao menos R$ 27,7 bilhões até 2022 em benesses a integrantes das Forças Armadas e policiais que vão de aumento salarial a linha de crédito para financiar imóveis com juros abaixo do mercado.

A revogação da Lei da Segurança Nacional, uma norma da época da ditadura militar (1964-1985), então usada para reprimir opositores do regime, foi aprovada no mês passado pelo Congresso. No lugar, parlamentares incluíram no Código Penal novos crimes contra o estado de direito, como golpes de Estado e tentativas de impedir a realização de eleições. Bolsonaro sancionou o projeto no dia 2 de setembro, mas vetou cinco dispositivos da nova lei.

A aprovação do texto foi considerada uma resposta do Legislativo a ações do governo, que passou a usar a LSN para abrir investigações contra adversários. Críticos como o youtuber Felipe Neto, o cartunista Aroeira e o jornalista Ricardo Noblat foram alvo de inquéritos, mas as apurações contra eles terminaram interrompidas por ordens da Justiça Federal. Até março de 2021, o número de inquéritos abertos com base na Lei de Segurança Nacional tinha crescido 285% no governo Bolsonaro, conforme mostrou o Estadão. Só em 2019 e 2020, foram 77 investigações do tipo.

Dos pontos vetados pelo presidente, pelo menos dois foram sugeridos no parecer final do ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, elaborado a partir de recomendações dos comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Um deles diz respeito ao chamado "atentado ao direito de manifestação" – pelo projeto, pode pegar até quatro anos de prisão quem usar de "violência ou grave ameaça" para impedir manifestações de partidos políticos, movimentos sociais, sindicatos ou outros grupos políticos, étnicos ou religiosos. A pena é ainda maior se a repressão causar lesão corporal grave (até oito anos) ou morte (até 12 anos).

Ao vetar o artigo, a Presidência da República alegou que ele poderia gerar "grave insegurança jurídica para os agentes públicos das forças de segurança" responsáveis por reprimir eventual violência em manifestações. O veto foi sugerido ao presidente em parecer assinado por Braga Netto e pelo consultor jurídico da Defesa, Idervânio da Silva Costa. "O dispositivo, na forma como aprovado, pode trazer limitações à atuação das forças de segurança, impactando a atuação das Forças Armadas quando estas estiverem engajadas em ações de GLO. Não raro, manifestações inicialmente pacíficas resultam em ações violentas, que precisam ser reprimidas pelo Estado", diz um trecho do parecer.

"Nesse cenário, a atuação das forças de segurança poderia ser incorretamente enquadrada no referido tipo penal, limitando de forma excessiva o uso regular da força pelo Estado. Por outro lado, o veto a esse dispositivo não impediria a punição a eventuais excessos cometidos por agentes estatais nessas situações", afirma o parecer.

Outro trecho vetado por Bolsonaro a pedido das Forças Armadas é o que ampliava em 50% o tempo de prisão por crimes contra o estado de direito, se cometido por militares, e também incluía a perda do posto e da patente. Segundo a Presidência, o dispositivo rompia o princípio da proporcionalidade, ao criar uma punição mais pesada para o militar do que para outros servidores públicos.

O presidente ainda retirou da lei o artigo que previa punição ao uso de "comunicação enganosa em massa" (fake news) para prejudicar um concorrente em uma eleição. Este último é considerado o mais polêmico dos vetos do presidente. A oposição no Congresso priorizará a derrubada deste ponto, junto com o artigo sobre o "atentado ao direito de manifestação".

<b>Lei e Ordem
</b>
As GLOs são operações autorizadas pelo presidente da República, nas quais as Forças Armadas passam a atuar para restabelecer a ordem interna, inclusive na segurança pública. Em fevereiro de 2020, Bolsonaro autorizou uma GLO em Fortaleza (CE), a pedido do governador do Estado, Camilo Santana (PT). Na ocasião, o presidente defendeu o chamado "excludente de ilicitude" para evitar que militares fossem punidos por mortes nas GLOs. "Minha consciência fica pesada porque tem muito jovem de 20 anos de idade que está na missão, que se aproxima de uma guerra. Depois, caso tenha qualquer problema, pode ser julgado por lei de (tempos de) paz", disse ele.

No Senado, o projeto foi relatado pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE); na Câmara, a relatoria foi da deputada Margarete Coelho (PP-PI), aliada e correligionária do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). A oposição quer a derrubada dos vetos. Já o Centrão, grupo do qual Margarete e Lira fazem parte, não trata a derrubada dos vetos como prioritária.

"O atentado ao direito de manifestação é um crime que fere o estado democrático de direito. Como é que você, enquanto partido político, movimento social, sindicato ou associação, não pode se manifestar pacificamente?", disse Rogério Carvalho ao Estadão.

A fala do petista é rebatida pelo deputado bolsonarista General Peternelli (PSL-SP). Ele considerou que o veto de Bolsonaro permitirá ao Congresso analisar o assunto com mais cuidado, e disse que a criminalização do "atentado ao direito de manifestação" poderia gerar insegurança jurídica. "O direito de manifestação é fundamental e constitucionalmente previsto, porém, deve ser exercido de forma pacífica. O artigo vetado, em seu texto, gerava dificuldade de caracterizar, no momento da ação operacional, o que viria a ser manifestação pacífica, o que poderia inviabilizar a eficiente contenção de excessos", disse Peternelli, que é general de Divisão do Exército, hoje na reserva.

A reportagem procurou o Palácio do Planalto e o Ministério da Defesa para comentários, mas não houve resposta até a conclusão desta edição.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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