Por mais evidências que a polícia tenha colhido, durante quase dois meses de investigações sobre a morte da advogada Mércia Nakashima, a Justiça – pela segunda vez – cassou a decisão de manter sob prisão preventiva o também advogado e ex-policial militar, Mizael Bispo dos Santos, apontado como o autor do crime, numa decisão bastante polêmica. No despacho que aceitou o habeas corpus impetrado pela defesa, a desembargadora – apesar de reconhecer que existem indícios dele ser o assassino – entende não haver motivos para mantê-lo preso. Óbvio que ela agiu de acordo com a lei, curvando-se aos argumentos da defesa, que enaltece o fato de Mizael, em momento algum, ter tentado obstruir os trabalhos da polícia.
Porém, repita-se, por mais legal que seja, a revogação da prisão preventiva no caso Mércia ecoa como uma bomba perante a sociedade. Neste momento, não se discute se ele é o autor ou não da morte, já que isso parece matéria vencida. Debate-se o fato dele não ter antecedentes criminais, manter endereço fixo e ter se apresentado à polícia para esclarecimentos sempre que chamado. Ora, partindo desse princípio, pode representar ao cidadão comum que pessoas com esse perfil têm a autorização da Justiça para matar, o que – nem de longe – é verdade.
Desta forma, a população alimenta ainda mais uma velha impressão que o brasileiro tem em relação a suas instituições. Convencionou-se dizer que, neste país, pessoas com um melhor nível social ou financeiro jamais vão para a cadeia. Que basta ter algum grau de influência para para se sair livre. Por mais que Mizael se apresente como um cidadão comum, afinal não é um milionário ou influente, tem a seu favor o fato de ser advogado, o que poderia sugerir um certo corporativismo no momento de levado para atrás das grades.
Dez anos atrás, o país se sensibilizou com o assassinato da jornalista Sandra Gomide, praticado pelo ex-namorado Pimenta Neves, então diretor de redação do jornal O Estado de São Paulo, um dos mais importantes do País. Apesar de ele ter chegado a ser preso e condenado pelo crime, acabou se beneficiando da prisão domiciliar, por apresentar problemas de saúde e idade avançada. Tudo dentro da lei.
Lamentavelmente, quando a Justiça toma decisões que vão totalmente contra o anseio da sociedade, que acompanhou cada minuto do drama da família de Mércia, o Brasil dá mais um passo atrás, no quesito seriedade. Nem sempre agir dentro da lei, como foi a decisão da desembargadora responsável por deixar Mizael livre, acaba sendo encarado como o mais correto. Ao contrário. Mas para aqueles que insistem em acreditar nas instituições, espera-se que a Justiça – de verdade – seja feita.