Desde setembro de 2021, quando o governo brasileiro publicou uma portaria autorizando o visto temporário e a residência por razões humanitárias, milhares de afegãos têm desembarcado em Guarulhos em busca de refúgio e acolhimento. Assolados pelo Talibã, regime terrorista que tomou conta do país, os muçulmanos encontraram no Brasil uma maneira de reconstruir suas vidas, longe das guerras e dos costumes extremistas impostos pelos radicais islâmicos.
No entanto, levar em consideração os fatores geopolíticos, culturais e religiosos é fundamental para entender a dinâmica de cada país do Oriente Médio.
O Afeganistão, território de difícil penetração, cercado por montanhas e sem acesso ao mar, tornou-se o escritório ideal para a organização de ataques internacionais e formação de grupos terroristas com ideais fundamentalistas, como a Al-Qaeda. Essa foi, pelo menos, a justificativa do governo dos Estados Unidos para enviar suas tropas após os ataques de 11 de setembro, iniciando o que ficou conhecido como “Guerra ao Terror”.
Ao longo de duas décadas, americanos e aliados combateram terroristas, treinaram e financiaram o exército afegão e realizaram centenas de operações militares para enfrentar radicais islâmicos da região. Um dos objetivos, o de neutralizar os idealizadores dos atentados de 2001, foi concluído. Osama bin Laden, fundador e líder da Al-Qaeda, foi morto, e Khalid Sheikh Mohammed, apontado como mentor intelectual do 11 de Setembro, foi preso.
No entanto, mesmo com a presença maciça de soldados americanos, as organizações terroristas, em especial o Talibã, nunca foram completamente erradicadas e continuaram a existir como insurgências no Afeganistão, além de expandir suas operações para outras áreas próximas, como o Paquistão.
20 anos depois, em 2021, sob o comando de Joe Biden, os EUA decidiram retirar por completo suas tropas do país, liberando território para os talibãs retomarem o poder. Segundo o governo, a missão americana “estava concluída”.
À época, a decisão foi criticada por analistas políticos, países aliados e pelo próprio Departamento de Estado dos Estados Unidos, que apontou “deficiências condenatórias” no processo de retirada.
“As decisões do ex-presidente Trump e do presidente Biden de encerrar a missão militar dos EUA no Afeganistão tiveram sérias consequências para a viabilidade do governo afegão e sua segurança”, disse um relatório do departamento.
Desistir da ocupação, no entanto, fazia parte de um acordo firmado em fevereiro de 2020 entre os EUA e o Talibã para criar espaço para a paz entre os afegãos depois de 20 anos de conflitos.
Em 15 de agosto de 2021, o Talibã ocupou a capital Cabul e se instalou no palácio presidencial, forçando a fuga do presidente Ashraf Ghani. Mais uma vez o Afeganistão voltava para o domínio dos terroristas, que já haviam governado o país entre 1996 e 2001. Em uma rede social, à epoca, um porta-voz do grupo anunciou o fim da ocupação americana e celebrou o que chamou de “independência”.
Militares americanos deixam o Afeganistão Foto: Robyn J. Haake
Como os afegãos vivem hoje?
Quase três anos depois da retomada do poder, os afegãos seguem entrentando o agravamento das ameaças aos direitos humanos na região, além de uma severa crise humanitária. Sob o comando do Talibã, mulheres não podem trabalhar e são proibidas de estudar a partir do sexto ano, além de serem frequentemente torturadas e estupradas por membros do grupo.
Ao longo do tempo, o Talibã também tem se envolvido em uma série de outras atividades criminosas, incluindo o tráfico de drogas, sequestros e ataques terroristas. Sua ideologia é caracterizada por uma interpretação fundamentalista do Islã e uma visão extremista da lei religiosa, conhecida como Sharia.
Dados da ONU divulgados em 2022 indicavam que cerca de 90% da população consumia quantidades insuficientes de comida. Além disso, preços de produtos básicos, como óleo diesel, farinha, arroz e açúcar tinham aumentado em 50% um ano após o retorno do Talibã, de acordo com o Banco Mundial.
“Tem sido um ano de tortura e desilusão. A situação é, a cada dia, mais preocupante e só piora. A cada dia, cada passo, cada decisão que o Talibã toma, basicamente coloca o meu país no caminho de uma catástrofe ainda maior: economicamente, socialmente, culturalmente… Eles estão criando tensões étnicas, agravando problemas econômicos e nos isolando do mundo. Foi um ano muito duro e a parte triste é que ainda não acabou”, descreve o afegão Khalid Yousafzai, analista de mercado em Paris.
Segundo Yousafzai, noventa por cento, principalmente dos jovens, não querem mais viver no Afeganistão e buscam maneiras de sair do país, “porque, onde eles vivem, não tem nada”, diz o analista de mercado, contando que recebe com frequência pedidos de ajuda, de conhecidos e desconhecidos.
Mulheres afegãs passam por um combatente do Talibã em Cabul, Afeganistão — Foto: AP – Hussein Malla
Refugiados em Guarulhos
Segundo dados da Prefeitura de Guarulhos, entre agosto de 2022, quando foi aberta a primeira residência de acolhimento exclusivo para migrantes e refugiados, e janeiro de 2024, o município acolheu 1.143 afegãos.
Em nota enviada ao GWeb, no entanto, a Prefeitura esclareceu que não é o ente responsável pela acolhida dos afegãos, que chegam ao Brasil com visto humanitário concedido pelo governo federal.
“Sendo assim, a administração municipal trabalha de forma emergencial para conseguir lidar com a demanda, já que o aeroporto de Guarulhos é o único no país que recebe vôos do Afeganistão e de países vizinhos”, afirmou o município.
Assim que os afegãos são referenciados no Posto Avançado de Atendimento Humanizado ao Migrante, é iniciada a busca por vagas junto ao governo estadual, responsável por gerenciar essas vagas de acolhimento.
Enquanto estão no aeroporto, o governo de Guarulhos garante a segurança alimentar destes refugiados com café da manhã, almoço e jantar, além de entregar kits com materiais de higiene pessoal, água e cobertores.
“Também contamos com colaboradores e voluntários que realizam a entrega de refeições aos finais de semana”, disse a Prefeitura.
Além disso, equipes do posto estão à disposição dos afegãos para atender quaisquer necessidades emergenciais que surjam, inclusive para acionar as equipes de saúde do município.
Residências para acolhimento em Guarulhos
Guarulhos possui atualmente 257 vagas para acolhimento de migrantes e refugiados, sendo 207 geridas pela municipalidade e outras 50 pelo governo estadual. No momento, todas estão lotadas.
Vivendo em abrigos da cidade, os afegãos contam com auxílio das equipes na provisão de documentos como CPF e regularização da situação no país. Segundo a Prefeitura, eles também recebem todo suporte e atendimento médico, fornecidos pelas Unidades Básicas das regiões. Além disso, são oferecidos cursos de português para os interessados em aprender o idioma.
Refugiados afegãos no centro de acolhimento da Prefeitura de Guarulhos Foto: Divulgação