A forte recessão que atinge o País tornou escasso um tipo de crédito fundamental para o funcionamento das empresas: o de capital de giro, que financia a operação diária das companhias. De julho de 2015 até julho deste ano, dado mais recente disponível no Banco Central, o volume de crédito para este segmento encolheu em R$ 39 bilhões, passando de um total de R$ 384 bilhões para R$ 345 bilhões, numa sangria ainda sem sinais de estancar.
A queda de 10% no saldo das linhas de giro que utilizam recursos captados pelos próprios bancos é um claro sinal de que os empresários enfrentam dificuldades quando batem à porta das instituições financeiras. Sem dinheiro para tocar as operações, resta demitir e fechar as portas.
O problema se intensificou desde o início da segunda gestão Dilma Rousseff, em janeiro de 2015. Com a economia em retração, os bancos também fecharam as torneiras do crédito. Eles passaram a ser mais seletivos na concessão de capital de giro, a exigir garantias reais e a cobrar taxas de juros mais elevadas. No início do ano passado, conforme o Banco Central, a taxa média de juros para capital de giro estava em 22,5% ao ano. Agora, atinge 26% ao ano.
“E quem mais sofre são as empresas de porte menor”, afirma Ricardo Rocha, professor do Advance Program in Finance do Insper. “Porque as grandes sempre têm outras alternativas. Elas podem emitir debêntures (títulos de dívidas) ou outros papéis. Já as médias empresas precisam de capital de giro.”
Com o capital de giro, as empresas podem tocar as operações no curto prazo, pagando fornecedores, despesas do dia a dia (luz, água, telefone) e salários. A importância dessas linhas pode ser expressa em um número: de todo o crédito que os bancos oferecem às empresas brasileiras, considerando os recursos próprios, 45% são para capital de giro. Em segundo lugar, com apenas 9% da fatia, aparece o crédito para empresas via ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio), uma modalidade voltada a exportações.
O acesso às linhas de capital de giro, no entanto, está mais difícil. Rocha lembra que, nos balanços mais recentes divulgados pelos bancos, “há muita provisão para perdas e isso não é sem motivo”. Com a economia em retração e a onda de falências em vários setores, as instituições querem mais garantias para liberar o dinheiro. “Cinco bancos concentram 80% do mercado. Quando um banco grande se retrai, não tem jeito”, diz o professor do Insper.
“É difícil medir o que é falta de demanda por crédito em meio à crise e o que é escassez de oferta. Mas é provável que seja mais falta de oferta, porque os bancos estão restritivos”, confirma Bruno Lavieri, economista da 4E Consultoria. Segundo ele, bancos públicos como o BNDES vêm reduzindo o crédito disponível e muitos clientes buscaram recursos no setor privado, a um custo mais alto.
Entraves
O empresário Ney Pasqualini, da metalúrgica Winnstal, de São José dos Campos (SP), conhece de perto essa realidade. Como vice-diretor do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), ele afirma que muitos pequenos e médios empresários da região estão com a corda no pescoço. “Os bancos estão dificultando a concessão de crédito. Os juros estão elevados e eles exigem garantias reais, como uma propriedade.”
Outro entrave, diz Pasqualini, é que muitas empresas estão com impostos atrasados e não conseguem uma Certidão Negativa de Débitos de Tributos e Contribuições Federais (CND) – um documento da Receita Federal que atesta que os impostos estão em dia. “Sem a CND, os bancos não liberam crédito.”
O resultado, afirma Pasqualini, é que “as demissões continuam”. “Estou com 78 funcionários, mas já tive 90. E não tenho acesso hoje ao capital de giro. Meu giro atualmente é feito por meio do fluxo de pagamento dos clientes”, lamenta.
Retração de crédito é pior que na crise global
A retração das linhas de capital de giro desde o início de 2015 chega a ser pior que a situação vista após o estouro da crise econômica global, em setembro de 2008. Isso porque, naquela época, este tipo de crédito com recursos captados pelos bancos (sem o BNDES) vinha crescendo no Brasil a taxas mensais que chegavam a 7%.
Quando o pânico se instalou nos mercados globais, no fim de 2008 e início de 2009, o saldo de operações de capital de giro chegou a congelar em alguns meses, mas não houve um movimento intenso de retração, como é percebido agora. No segundo semestre de 2009, o saldo das operações de capital de giro já crescia a taxas entre 2% e 4%. “Na metade de 2009, começou a haver melhora no crédito. Isso porque o mercado percebeu que haveria forte crescimento do PIB em 2010, o que de fato ocorreu, e a liberação de recursos melhorou”, diz Ricardo Rocha, professor do Insper.
A recessão econômica que atinge o País desde o início de 2015, aliada à crise de confiança que se instalou em função do processo de impeachment de Dilma Rousseff, tornou os bancos mais seletivos. Em julho deste ano, o saldo das linhas de capital de giro caiu 1,6% ante junho. Desde dezembro de 2014, a derrocada chega a 12,1%. Na prática, o saldo atual de crédito para capital de giro, de R$ 345 bilhões, recuou quatro anos, para níveis de setembro de 2012.
Para tentar desafogar as empresas, o BNDES anunciou em 25 de agosto reforço de R$ 4 bilhões para a linha de capital de giro, com taxas de juros menores para pequenos negócios. Os recursos podem ser acessados pelas empresas tanto via BNDES quanto em outros bancos.
A medida também busca estancar a queda no crédito para capital de giro com recursos do BNDES registrada desde o início de 2015, de 24,2%. Só que o reforço está longe de resolver o problema, já que o crédito para capital de giro com recursos do BNDES está hoje na casa dos R$ 15,7 bilhões – ou seja, muito abaixo dos R$ 345 bilhões do saldo com recursos captados pelos bancos de outras fontes.
Enquanto os bancos não afrouxarem as exigências, o cenário não vai melhorar. Para Bruno Lavieri, da 4E Consultoria, não há espaço para uma melhora no segundo semestre de 2016, mas para uma “acomodação”. “Esse processo de queda do crédito tem de parar em algum momento.”As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.