O governo e a indústria de veículos começaram a negociar a política setorial que vai substituir, a partir de janeiro do ano que vem, o regime de incentivo à indústria automobilística nacional que foi condenado pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Desde o mês passado, as partes trabalham em cima de um cronograma que fixa uma data de publicação do novo programa: 30 de agosto.
Ainda tratados em linhas gerais, os temas em discussão vão da recuperação da indústria de autopeças ao custo de produção e tributação dos veículos montados no País, passando pela possibilidade de um programa nacional de inspeção veicular para, indiretamente, estimular a renovação de frotas.
Também serão discutidas novas metas de eficiência energética – cobradas pelo governo aos automóveis fabricados no Brasil -, bem como exigências de segurança veicular e incentivos a investimentos em inovação e desenvolvimento de sistemas eletrônicos.
Esses temas foram distribuídos a seis grupos de trabalho que foram constituídos na semana passada para debater o que está sendo chamado pelos negociadores de novo ciclo da política industrial automotiva. Cada grupo é composto por executivos das entidades que representam as montadoras (Anfavea) e os fornecedores de peças (Sindipeças), além da Abeifa, que abriga importadores de carros, e a Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA), instituição que reúne engenheiros de automóveis e que atuará como mediadora técnica das discussões.
Nas reuniões dos grupos, serão apresentadas as propostas dos setores privados ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC). Até a primeira quinzena de junho haverá reuniões semanais entre as entidades e o governo.
Depois disso, partindo de um conjunto de medidas negociadas com a indústria, o ministério da Indústria terá menos de três meses para editar a política automotiva em conjunto com outras quatro pastas: Fazenda; Ciência e Tecnologia; Meio Ambiente e Minas e Energia. O BNDES também está envolvido na criação do novo programa. Se tudo sair dentro do previsto, o plano será anunciado em 30 de agosto.
A fixação da data não foi feita fortuitamente. A ideia é que o governo tenha margem de tempo para promover ajustes e regulamentar o programa antes do término do regime automotivo em vigor.
Batizado de Inovar-Auto, o regime automotivo atual foi lançado em outubro de 2012 e suas regras são válidas até 31 de dezembro deste ano. A política foi condenada pela OMC em novembro, mas a estratégia do governo é recorrer para arrastar o processo até o fim do ano, preservando assim a vigência do programa.
Ao fechar portas a importações de automóveis, que passaram a ser sobretaxados em 30 pontos porcentuais na cobrança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Inovar-Auto estimulou investimentos em novas fábricas de carros no País, induzindo, inclusive, a chegada de marcas de carros de luxo como Mercedes-Benz, Audi e BMW.
Agora, com as vendas de veículos no patamar mais baixo em uma década, o propósito da política industrial em negociação é dar competitividade aos automóveis brasileiros em mercados internacionais, algo não resolvido pelo regime atual.
“Nossa indústria tem de ser capaz, no futuro, de competir internacionalmente em boas condições”, afirmou o presidente da Anfavea, Antonio Megale, que, em benefício da previsibilidade, cobra a vigência de pelo menos 10 anos no novo programa – o dobro do período do Inovar-Auto. Como o governo tem buscado assinar acordos de livre comércio com outros países, inclusive com a União Europeia, o executivo tem a preocupação de que o Brasil, sem força para competir no mercado internacional, acabe inundado por veículos importados.
Para o presidente da Anfavea, o melhor caminho para elevar a competitividade das montadoras é atacar aspectos estruturais como legislação trabalhista, tributação e logística. Com o “equacionamento dessas questões” e um “ambiente mais simples e desburocratizado”, o Brasil se consolidaria, na sua visão, como um polo de exportação de veículos.
Medidas específicas, contudo, ainda não foram colocadas da mesa. Fontes próximas ao programa que está sendo construído em Brasília dizem que as discussões partem praticamente do zero. Consultado pelo Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, o Sindipeças comentou que, como os trabalhos estão apenas começando, é prematuro dar detalhes sobre o tema.
Uma parcela da indústria considera que a demora no início das negociações pode inviabilizar os prazos almejados. O governo só chamou os setores para iniciar a conversa há 16 dias, formando os grupos de trabalho apenas na semana passada. Também existe a percepção de que são muitos temas para pouco tempo. “Me preocupa tentar tudo e não conseguir nada”, disse o executivo de uma grande montadora.
Embora ainda haja incertezas em relação ao desenho do programa, um ponto é consenso: não haverá mais sobretaxação de 30 pontos porcentuais a importados. Com a condenação na OMC, tornou-se inviável renovar o Inovar-Auto da forma como está. Ainda assim, a Abeifa diz que sua posição será de lutar contra manobras que mantenham a proteção a montadoras nacionais. “A única coisa que a Abeifa não concorda é a continuidade dos 30 pontos. Será impossível manter a rede de concessionárias viva”, afirma José Luiz Gandini, presidente da associação.