Hoje ele atende em uma sala no Gopoúva, no prédio da entidade que fundou há 50 anos, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto (Saae) de Guarulhos. Tem 76 anos de idade, um par de óculos com muitos graus de miopia (não sabe quantos) que o acompanha desde os tempos em que era estudante da Universidade de São Paulo (USP), além de uma bagagem cultural e técnica raramente vista pela cidade.
Este é Plínio Tomaz, nascido em uma casinha da Rua João Gonçalves, 12, ao lado da padaria Barão, no centro de Guarulhos. Aliás, o pai dele, senhor Tomaz, era o padeiro. Sua mãe era a italiana Eugênia, e suas irmãs são Neusa e Sonia. Plínio conta que estudou a vida toda em escola pública, começando na Escola Estadual Capistrano de Abreu e graduando-se na Escola Politécnica da USP como engenheiro civil.
Ele é casado com Edith Tomaz, uma descendente de alemães e pai de Plínio Augusto, Luciana e Fabiana. Mas não é só da família e dos filhos que Plínio Tomaz fala com orgulho. Olhando para o passado, recorda-se com um sorriso das conquistas que proporcionou para Guarulhos com a criação do Saae, em 1967.
Ele tinha apenas 25 anos e acabara de sair da faculdade quando recebera o convite do então prefeito, Waldomiro Pompeo, para organizar a rede de água e esgoto da cidade. Pompeo foi prefeito durante os mandatos de 1966 a 1970 e depois de 1973 a 1977. “Ele me falou que não ia pagar porque não tinha dinheiro”, e assim Plínio começou a trabalhar na cidade de Guarulhos, de graça. “Eu pensei, estudei em escola do Estado, na Politécnica da Universidade de São Paulo, então tudo bem, eu devo muita coisa para o governo”, disse Plínio.
Foram alguns meses sem salário, até que o prefeito regularizou sua situação e ele se tornou o primeiro funcionário do Saae, como diretor de água e esgoto. “Já comecei no topo, com um ótimo salário, e o prefeito me disse que o grande problema que ele tinha era água e esgoto”, conta. Desde então, não largou mais esse problema.
Guarulhos era uma confusão, nas palavras do próprio Plínio. Não tinha um serviço autônomo, não havia mapas de rede e água, era tudo mal feito. Não tinha projeto de engenharia. As famílias faziam sua fossa séptica e não tinham esgoto. Faltava água até no gabinete do prefeito, que ficava na praça Getúlio Vargas, também na região central.
A primeira inauguração de esgoto foi na Rua Dom Pedro II, no centro da cidade. “Fizemos esgoto, fizemos emissários, atravessei a (Rodovia Presidente Dutra) Dutra com o primeiro túnel liner, um túnel de aço com 80 metros de comprimento onde passava a tubulação do esgoto que era jogado no rio Tietê. O primeiro túnel liner feito por brasileiros fui eu que fiz”, orgulha-se o atual superintendente-adjunto do Saae.
Outro desafio para Plínio foi o de individualizar as contas de água, que eram cobradas por carnês. Era 1968. “Achei 60% de ligações clandestinas. As famílias ricas ficaram com ódio de mim. Tinha gente que nunca pagava água. Lembro que um vizinho meu veio tirar satisfação porque ele achava que tinha direito adquirido com um prefeito. Eu falei, olha, direito adquirido sobre furto não existe”, contou.
O prefeito quis publicar no jornal a lista dos devedores, mas logo que viu nomes conhecidos e familiares, determinou o sigilo. “Era uma vergonha para Guarulhos ver aquela lista de famílias tradicionais que não pagavam água. Não publicamos a lista, mas cobramos tudinho”, contou Plínio.
O primeiro empréstimo feito com o governo federal para saneamento básico foi uma iniciativa de Plínio Tomaz. Era o segundo maior empréstimo do Estado e com ele foi possível executar 1.610 km de redes de água. Em 1967 existiam apenas 118 km, enquanto que atualmente são mais de 2.300 quilômetros.
Já a rede de esgoto também verificou um crescimento, passando de 40 km há meio século para 1.711 quilômetros nos dias atuais. Até 1995 foram feitas 176 mil ligações de água. Em 1971, Guarulhos contava com apenas 10.400 ligações de água, o dado mais antigo disponível, mas hoje já são mais de 373 mil. As ligações de esgoto, que não passavam de 1.400 no início da década de 1970, superam as 331 mil atualmente.
Água, sempre um problema – Embora os avanços sejam visíveis, os cidadãos guarulhenses ainda sentem na pele o drama do acesso contínuo e equânime da água. O superintendente-adjunto explica o motivo. “O grande problema que nós temos hoje é que existe uma rede que comporta uma vazão de distribuição grande, mas as redes que chegam para nós da Sabesp não comportam maior vazão. Mesmo que a Sabesp queira dar mais água para nós, não tem como receber a água, porque o diâmetro está limitado”, explicou.
Segundo ele, a rede de Guarulhos é antiga, dos tempos, inclusive, em que ele iniciou os trabalhos na cidade. “Existem fatores do passado em que as administrações anteriores bobearam. Não sei mais como solucionar isso, estamos estudando. Obras embaixo da terra não chamam atenção, isso sempre foi assim aqui e no mundo inteiro. O pessoal só lembra quando falta água”, desabafa Tomaz.
Mas de uma coisa Plínio se orgulha e muito. De ter ajudado a diminuir a mortalidade infantil na cidade. “Quando eu passava na região dos Pimentas, que não tinha uma gota d’água, víamos o alto índice de mortalidade infantil por doenças como a diarreia. As crianças todas barrigudinhas porque as mães pegavam água com balde de qualquer lugar. Eu consegui colocar água lá, mesmo fazendo rodízio. Com a água e o esgoto diminuímos a mortalidade infantil, eu vi acontecer isso”, conta satisfeito.
Cultura – O engenheiro civil tem um currículo extenso, não para de estudar e de se atualizar. Mantém um site com inúmeros textos e impressões da cidade, dos problemas que ela tem, do país, da literatura. Em um deles, conta sobre a viagem que fez a Lisboa e sobre a descoberta de um dos mais renomados poetas contemporâneos.
“Fernando Pessoa era um solteirão e bebia muito. Era magro, tinha um bigodinho gozado, usava óculos e um chapéu. Pessoa era uma pessoa complicada, pois acreditava em tudo que era místico”, contou divertindo-se.
Não por acaso Plínio Tomaz é membro da Academia Guarulhense de Letras, sendo autor de 27 livros. Como já observado, gosta de poesia. É um leitor voraz, e atualmente não dispensa seu kinder para a leitura de livros nos mais diversos idiomas. É poliglota, fala cinco idiomas e continua estudando, agora alemão.
O verbo que o engenheiro civil melhor conjuga em seu dia a dia é o trabalhar na cidade de Guarulhos. Foi assim durante 50 anos. E o verbo continua a ser conjugado.