Embora o Brasil tenha um dos mais reconhecidos programas públicos de vacinação do mundo, com os principais imunizantes disponíveis a todos gratuitamente, vêm ganhando força no País grupos que se recusam a vacinar os filhos ou a si próprios.
Esses movimentos estão sendo apontados como um dos principais fatores responsáveis por um recente surto de sarampo na Europa, onde mais de 7 mil pessoas já foram contaminadas. No Brasil, os grupos são impulsionados por meio de páginas temáticas no Facebook que divulgam, sem base científica, supostos efeitos colaterais das vacinas.
O avanço desses movimentos já preocupa o Ministério da Saúde, que observa queda no índice de cobertura de alguns imunizantes oferecidos no Sistema Único de Saúde (SUS). No ano passado, por exemplo, a cobertura da segunda dose da vacina tríplice viral, que protege contra sarampo, caxumba e rubéola, teve adesão de apenas 76,7% do público-alvo.
“Isso preocupa e causa um alerta para nós porque são doenças imunopreveníveis, que podem voltar a circular se a cobertura vacinal cair, principalmente em um contexto em que temos muitos deslocamentos entre diferentes países”, diz João Paulo Toledo, diretor do Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, que ressalta que todas as vacinas oferecidas no País são seguras.
A disseminação de informações contra as vacinas ocorre principalmente em grupos de pais nas redes sociais. O Estado encontrou no Facebook cinco deles, reunindo mais de 13,2 mil pessoas. Nesses espaços, os pais compartilham notícias publicadas em blogs, a maioria de outros países e em inglês, sobre as supostas reações às vacinas – por exemplo, relacionando-as ao autismo.
Os pais também trocam informações para não serem denunciados (mais informações nesta página), como não informar aos pediatras sobre a decisão de não vacinar os filhos, e estratégias que eles acreditam que garantiram imunização das crianças de forma alternativa, com óleos, homeopatia e alimentos.
Exemplos
A doula Gerusa Werner Monzo, de 33 anos, participa de um desses grupos. Ela afirma que há anos começou a ler sobre as vacinas e, por isso, sempre foi contrária a imunizar os filhos, hoje com 6 e 9 anos. “Tomaram as que são dadas nos primeiros meses de vida porque fui obrigada, mas não foram todas. O caçula, por exemplo, não tomou reforços da tríplice viral e a da poliomielite”, disse.
Gerusa diz ser contra vacinar seus filhos por achar a imunização desnecessária em crianças saudáveis e por medo de possíveis reações. “Meus meninos nunca tomaram vacinas como a da gripe ou febre amarela, mas são mais saudáveis que muitas crianças porque têm boa alimentação, fazem tratamento com homeopatia. As vacinas atrapalham essa imunização natural que desenvolveram.” Ela conta, no entanto, que os dois já tiveram catapora – doença que pode ser evitada com a vacina tetra viral.
A designer Fátima (nome fictício), de 39 anos, é mãe de um menino de 3 anos que só foi vacinado, pelo calendário oficial, até os 15 meses. Ela pediu para não ser identificada, por medo de ser denunciada e porque o pai do menino não sabe que o filho não tomou todas as vacinas. “Quando ele tinha quatro meses, tomou as vacinas tetravalente e rotavírus e dias depois seu comportamento mudou, ficou agitado, não conseguia comer, teve alergia por todo o corpo. Na época, eu não entendia o que tinha acontecido, mas, depois de conhecer os grupos que falam sobre as verdadeiras reações das vacinas, tenho certeza de que foi uma consequência delas.”
Foi depois de entrar nos grupos que ela decidiu não dar as vacinas seguintes no menino, mesmo sem ter o apoio de familiares e do pediatra. “Não comento com ninguém sobre isso, nem com o meu marido, só a minha mãe sabe que eu parei de dar as vacinas. Não vou dizer nada para o médico nem na escola para evitar qualquer problema. Essa é uma decisão minha e sei que estou cuidando bem do meu filho de outra forma, com uma alimentação saudável e tratamento homeopático”, disse.
Risco
Especialistas ressaltam que a decisão de Fátima, Gerusa e de outros pais contrários à vacinação não traz consequências apenas individuais: a queda na cobertura vacinal pode causar problemas de saúde pública. “Imagine se 5% da população deixar de tomar a vacina a cada ano. Isso forma um nicho de pessoas suscetíveis a doenças que, caso contaminadas, podem infectar mais gente”, alerta Guido Carlos Levi, da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).