Antes mesmo que o mercado não conseguisse falar de outra coisa, a palavra crise já pautava o dia a dia da Hering. A luz amarela se acendeu no balanço da companhia em 2012, quando a economia brasileira ainda crescia. Após seis anos de crescimento ininterrupto – que levaram a varejista a ser uma “queridinha” da Bolsa, com valor de mercado de R$ 8 bilhões -, a empresa começou a perder força e só viu os resultados piorarem desde então. De 2013 para cá, a companhia vem trabalhando em soluções para reverter o quadro, tarefa que foi dificultada – e muito – pela atual retração do consumo.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o presidente da Cia. Hering, Fábio Hering, admite que os atuais problemas da companhia catarinense, fundada há 135 anos, não estão só relacionados à crise econômica. Para o executivo, a Hering precisa se reinventar. O esforço para a virada se desdobra em várias frentes: a empresa está mexendo na linha de produtos, para fugir apenas da velha camiseta básica; na logística e na relação com os franqueados, permitindo que os lojistas recebam quantidades menores de mercadoria, evitando que boa parte do estoque tenha de ser vendida em liquidações; e no layout das lojas, que passa por modernização.
Por enquanto, o executivo admite que as mudanças não surtiram qualquer efeito no balanço. Com a recessão, as vendas nas lojas abertas há mais de um ano – um dos principais termômetros para analistas do setor de varejo – caíram 5,5% no primeiro trimestre, o pior resultado recente da companhia. A receita no período ficou em R$ 376 milhões, menor nível desde 2011. O lucro de janeiro a março, de R$ 29,3 milhões, é equivalente a menos da metade do resultado obtido no mesmo período de 2012. Apesar dos números terem piorado, a empresa não pode se dar ao luxo de parar, de acordo com seu presidente.
Pelo contrário: a ordem, neste momento, é pôr o pé no acelerador. Segundo o analista de varejo do banco Brasil Plural, Guilherme Assis, ainda que seus resultados tenham se deteriorado e os esforços para reverter a trajetória negativa não estejam surtindo efeitos, a Hering é considerada um negócio relativamente privilegiado no setor de varejo. Isso porque a empresa ainda gera lucro e caixa, enquanto concorrentes de médio porte – como a GEP, dona da Luigi Bertolli – tiveram de recorrer à recuperação judicial e outras gigantes, como a Marisa, já operam há algum tempo no vermelho.
São as reservas da época de bonança que permitem que a Hering faça investimentos no meio da crise econômica. A empresa vai gastar agora R$ 30 milhões para bancar a reforma de quase cem de suas franquias nos próximos 12 meses. A companhia vai pagar 25% do investimento e financiar o restante para os parceiros em 12 vezes sem juros – um típico negócio de pai para filho. Segundo fontes de mercado, a empresa teve de colocar a mão no bolso, pois, com as vendas em queda, seria difícil convencer os franqueados a fazer esse investimento. “O sistema de franquia reduz a agilidade da mudança nas lojas”, diz o analista Luiz Cesta, do Banco Votorantim.
Mais marcas
Outro desafio da companhia é se livrar de sua forte dependência da marca Hering, que ainda responde por 75% de seu faturamento. Além das 648 unidades próprias e franqueadas em todo o País, os produtos da marca que batiza o grupo também são distribuídos em mais de 13 mil clientes multimarca. “Nosso objetivo é reduzir a dependência da empresa da Hering para 50% da receita”, afirma Fábio Hering.
Segundo fontes de mercado, isso será difícil de ser feito com as marcas que a empresa já tem em mãos. A Hering Kids e a PUC, apesar de apresentarem alta nas vendas, estão em um segmento infantil, que representa uma parcela pequena do varejo de moda. Já a Dzarm ficou “dormente” por vários anos e hoje tem três lojas em operação em fase de testes. A Hering for You, lançada há três anos com a esperança de ser o pontapé inicial para uma rede feminina, está sendo descontinuada e sua coleção será incorporada às unidades da “marca-mãe”. Uma das saídas para acelerar esse processo de redução de dependência da Hering poderá ser a aquisição de marcas, afirma o executivo, sem especificar um possível alvo.
Fábio Hering admite que, apesar de a empresa já estar trabalhando na reviravolta de seu negócio há quase quatro anos, há muito trabalho a se fazer. Mas a empresa não é novata em transformações radicais. Desde os anos 90, fez transformações profundas tanto na área industrial – a maioria das fábricas foi transferida para Goiás, que oferece incentivos à indústria têxtil – quanto na comercial.
O empresário conta que, antes da Hering Store, a empresa mal sabia contabilizar seus clientes. “Vendíamos milhões de peças, por atacadistas, e estávamos presentes até em supermercados”, lembra. Apesar do tamanho do desafio que tem pela frente, a Hering tem um ponto a seu favor: a disposição em mudar. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.