Variedades

Hexágono é figura central da exposição Hexacordo, de Tuneu

Pouca gente hoje cita o teórico e pintor francês Albert Gleizes (1881-1953), que escreveu o primeiro tratado sobre cubismo e foi também professor da pintora modernista Tarsila do Amaral (1886-1973), além de ter pertencido a grupos históricos como o expressionista Der Sturm. O pintor paulistano Tuneu, 69 anos, tem muito a ver com Gleizes, não só por ter sido aluno de Tarsila mas por manter viva a tradição construtiva ligada ao cubismo. Gleizes desenvolveu a teoria do quadro-objeto, conceito caro a um artista como Tuneu, também ele professor e, naturalmente, empenhado em fazer com que o espectador entenda a razão de ter escolhido a figura do hexágono como central de sua exposição Hexacordo, que a Galeria Raquel Arnaud abre quinta, 2, reunindo 18 pinturas e objetos recentes.

Gleizes explicava que o cubismo tinha menos a ver com a matemática euclidiana e mais com a sensibilidade do artista para a percepção do espaço, capaz de integrar uma quarta dimensão. No caso do “hexacordo” de Tuneu, a recriação de um mundo dinâmico incorpora sempre outras linguagens – e, não por outra razão, esse termo musical, que ele tomou emprestado como título de sua individual, define o processo de mutação de acordo com uma série diatônica de seis tons consecutivos.

Desafio

Quem desafiou Tuneu a usar o hexágono foi outro pintor, Hércules Barsotti (1914-2010), que um dia deu de presente ao assistente um chassis com esse formato, dizendo: “Quero ver o que você faz com isso”. Tuneu, que trabalhou durante anos ao lado do mestre neoconcreto, deixou a tela de lado até tomar coragem e realizar nos últimos três anos duas dezenas de pinturas e alguns objetos em aço corten que reproduzem o procedimento do corte e dobra adotado pelo também neoconcreto mineiro Amilcar de Castro (1920-2002). Tuneu hesita ao classificar esses objetos de esculturas. Eles, de fato, existem em função das pinturas em tinta acrílica (sobre tela ou papel), tornando explícito o processo de construção da forma e da cor nesses hexágonos.

Tuneu também foi assistente do neoconcreto Willys de Castro (1926-1988), o que fica evidente quando se observa o rigor de sua construção geométrica. Quanto mais horrível o mundo, tanto mais abstrata (e geométrica) será a arte, profetizou o pintor suíço Paul Klee (1879-1940), cuja obra, como a de Tuneu, alude à composição musical e poética. Na contramão do barulhento mundo contemporâneo, o artista paulistano confirma o nome de Klee como uma das grandes influências, ao lado do alemão Josef Albers (1888-1976), também educador. “Acho que tenho uma vocação didática, como eles, pois fico tentado a traduzir o esforço bidimensional dessas telas em objetos tridimensionais”, admite, ao se referir às esculturas em aço corten, que devem igualmente algo ao inglês Anthony Caro (1924-2013), outro mestre modernista (da Saint Martins School of Art) que inspirou gerações de escultores britânicos.

“Sou silencioso, gosto de certo intimismo e conservo a lembrança da artesania de Tarsila, que passava três meses em cima de uma tela para apurar os detalhes.” A velocidade do mundo atual, conclui, trouxe um prejuízo enorme para a arte. “A gente perdeu esse lado de artesão.”

Tuneu foi criado vendo as bienais de São Paulo e sente nostalgia das edições históricas que trouxeram ao Brasil obras de Edward Hopper, Rauschenberg e outros mestres. As novas gerações, observa Tuneu, perdem por não ter mais referências como essas. “Nós ficávamos esperando ansiosamente a próxima bienal, que era sempre uma baliza para o que fazíamos.”

Impacto

A proposta artística de Tuneu não descarta referências contemporâneas. Ele cita o pintor Sérgio Sister, de sua geração, como um artista que trabalha num registro diferente do seu, mas que trata de questões ligadas da mesma forma à linguagem abstrata. Tuneu, que conheceu a pintura de Brice Marden nos anos 1970, durante uma viagem pela Europa, sofreu o impacto do uso que o norte-americano fazia da luz e da cor em suas construções monocromáticas de matriz arquitetônica. O brasileiro, igualmente, sugere o deslocamento da figura geométrica (o hexágono, no caso) recorrendo eventualmente à transparência de uma aquarela para neutralizar a relação figura-fundo (numa tela azul e vermelha no fundo da galeria), conduzindo o espectador a uma experiência cinética muito similar ao movimento em volta de um objeto ativo de Willys de Castro.

“Dialogo com Albers por causa da forma como ele pensou as interações cromáticas a partir do quadrado”, observa Tuneu, referindo-se à forma como o pintor alemão representou com a expansão de uma simples figura geométrica a transição do modernismo europeu para a hard-edge dos abstratos americanos. Tuneu, que participou de várias edições da Bienal de São Paulo e comemorou 50 anos de carreira no ano passado, talvez passe à história como sua mestra Tarsila e esse mestre alemão com o qual não teve aulas. O tempo dirá.

HEXACORDO. Galeria Raquel Arnaud. R. Fidalga, 125, Vila Madalena, tel.: 3083-6322. 2ª. a 6ª., 10h/19h. Sábado, 12h/16h. Abertura 2/2. Até 25/3.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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