Controlar o corpo é possível, mas o caminho para a mente tem uma direção mais obscura. Esta, sem fronteiras, dificilmente pode ser trancafiada. Aliás, a consciência do bicho homem é o que nos faz menos animais. Mas isso não seria justamente uma prisão? Em Hospedeira, retornar à sua forma de crustáceo faz parte de um rito de libertação. É o que conta a atriz e diretora Johana Albuquerque, que estreia o solo nesta terça, 25, no Sesc Consolação.
Na dramaturgia de Fernando Aveiro surge a figura de uma mulher esquizofrênica, fechada em si mesma e ao contato social. Após estrear na fundação do Teatro da Vertigem com o espetáculo O Paraíso Perdido (1992), Johana deixou o trabalho de atriz para dedicar-se à direção teatral. Voltar depois de tantos anos e com essa personagem em especial pode ter muito a ver com a peça dirigida por Georgette Fadel. “Às vezes, ficar olhando a totalidade da cena pode roubar o prazer de atuar e se lançar livre na interpretação.”
E ela conta que esse será o desafio, largar o hábito de encenar e descobrir apenas a composição de uma figura. O que já não é simples. “Essa mulher surge estranha aos homens, enquanto busca descobrir sua condição. E ela não passa indiferente no mundo nem no próprio corpo, já que possui a configuração de um crustáceo, um animal de profundezas.”
Conduzida por Georgette, a atriz renovada para o palco explica que precisava de uma diretora que a provocasse na criação. “Ela é muito lúdica e também libertária. Diz que posso mudar o que quiser na cena, mesmo que isso me deixe amedrontada. Ela gosta da sujeira, do improviso. Isso é libertador”, conta ainda Johana.
Um retorno aos palcos não poderia deixar de vir acompanhado do que Johana vem fazendo nos últimos anos: dirigir. Estreou na segunda, 24, o espetáculo Paquiderme, solo de Daniel Alvim que integra o duo de solos chamado Díptico de Estranhas e Esquizos Dramaturgias Contemporâneas. Aqui, a diretora conta que seu trabalho com o ator cria uma condição mais fixa na cena. “Gosto de movimentos claros e finalizados. Trabalhamos essa construção com o Daniel.” Para ela, a mulher-crustáceo e o homem de Alvim têm muito em comum. “O sujeito se descobre com as mãos enfaixadas, vítima ou algoz de alguma coisa. Há sangue envolvido e as informações vão sendo reveladas ao longo da história. Essa descoberta tem muita ligação com a pele, como resistência e ponto de contato com o mundo.”
Alvim explica que, inicialmente, a peça havia sido escrita como um diálogo. Na mudança feita cenicamente, ele passa a ancorar uma dupla de vozes que podem ser partes distintas de uma mesma pessoa. “Eles conversam e são muito diferentes entre si. Opostos, mas complementares, eu diria.”
Metidos nessa situação de morte e investigação, os indivíduos tentam descobrir o que aconteceu enquanto buscam explicar o que não está tão claro para eles. “Ambos os textos são fragmentados, característica muito interessante na dramaturgia contemporânea, cheia de colapsos, sem começo, meio e fim. Quase um roteiro de cinema”, explica Johana.
Para Alvim, entretanto, há uma energia singular que diferencia seu trabalho de ator e o da atriz. “Elas dialogam de modo obscuro, mas cada qual com sua atmosfera. Johana está no palco como uma figura forte e feminista. Em Paquiderme as crises aparecem e não é tão simples respondê-las.”
Nos próximos meses, além de Johana, Alvim e Georgette se desdobram em mais projetos, reafirmando certa versatilidade em cena. Em setembro, ele dirige Se Existe Ainda Não Encontrei, texto do jovem britânico Nick Payne, que estreia no Teatro Eva Herz. Já Georgette divide o palco com o ator Luciano Chirolli em A Plenos Pulmões, uma reunião de textos de prosa e poesia do poeta da Revolução Vladimir Maiakovski, no Centro Cultural Banco do Brasil.
HOSPEDEIRA
Sesc Consolação. R. Dr. Vila Nova, 245. Tel.: 3234-3000. 3ª, 20h.
PAQUIDERME
2ª, 20h. R$ 20/ R$ 10. Até 26/9.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.