Juros fecham em alta com piora na percepção de risco político

Em sequência ao movimento de ontem, os juros continuaram subindo nesta quarta-feira, 11, pressionados pelo aumento dos ruídos políticos e dos riscos fiscais, que atingiu sobretudo os vencimentos longos. As taxas a partir de 2027 fecharam com avanço de mais de 20 pontos-base, com reforço na inclinação da curva, e, somando ao que tinham subido na véspera, já devolveram quase todo o prêmio perdido entre quarta da semana passada e segunda-feira.

O dia reuniu uma série de fatores a justificar a cautela, desde a falta de avanço da agenda liberal, a postura agressiva do presidente Jair Bolsonaro ao comentar as ameaças do novo governo americano à atual política ambiental do Brasil e declarações levantando a hipótese de extensão do auxílio emergencial em 2021, até ajustes de posições antes do leilão de prefixados amanhã e aumento nos preços da gasolina. Nem mesmo as vendas do varejo abaixo da mediana estimada conseguiram segurar a curva, tampouco o bom humor dos mercados internacionais.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2022 encerrou a sessão estendida em 3,39% e a regular em 3,41%, de 3,305% ontem no ajuste. O DI para janeiro de 2023 terminou com taxas de 4,95% (regular e estendida), de 4,826% no ajuste de ontem. A taxa do DI para janeiro de 2025 encerrou a estendida em 6,67% (de 6,69% na regular e 6,505% no ajuste) e a do DI para janeiro de 2027, em 7,46% (7,48% na regular e ajuste de ontem a 7,244%).

"Mesmo com tudo favorável lá fora, o governo aqui consegue a proeza de gerar crises, com guerra da vacina e até da pólvora", disse o estrategista de Mercados da Harrison Investimentos Renan Sujii. Ontem, Bolsonaro disse que "apenas com diplomacia não dá" e defendeu que se tenha "pólvora" "depois que acabar a saliva", em meio à ameaça do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, de aplicar sanções econômicas ao Brasil caso não haja atuação mais firme contra o desmatamento e as queimadas na Amazônia. Mais cedo, após a Anvisa suspender testes da vacina Coronavac, fruto da disputa política com o governador de São Paulo, João Doria, Bolsonaro escreveu no Twitter "mais uma que Jair Bolsonaro ganha".

Além disso, o mercado vai colocando no preço o risco de haver extensão do auxílio emergencial para o próximo ano, mesmo que a equipe econômica tenha descartado essa hipótese, após o presidente questionar como vão ficar "os 40 milhões de invisíveis depois que o auxílio acabar?". "Prorrogar o auxílio é sinônimo de estender o estado de calamidade pública, em si um movimento que preconiza o desrespeito à âncora fiscal, pressiona os juros de longo prazo, acelera a depreciação da taxa de câmbio e induz um avanço preocupante das expectativas de inflação", disseram os economistas da Guide.

Por outro lado, é consenso o papel importante que o auxilio vem exercendo para amparar a recuperação da economia e a perspectiva de redução do benefício para R$ 300 a partir de outubro, e de extinção no ano que vem, pode ser uma explicação para a desaceleração das vendas do varejo em setembro, mas com impacto limitado pelo aumento da flexibilização do isolamento social. Na margem, as vendas do varejo restrito subiram 0,6%, menos que a metade da mediana estimada (1,40%), e as do varejo ampliado avançaram 1,2% (mediana de 1,75%).

Juros fecham em alta com piora na percepção de risco político

A piora na percepção do risco político seguiu à tarde como protagonista no mercado de juros, mantendo as taxas para cima em reação ao vídeo divulgado pelo presidente Jair Bolsonaro, no qual enterrou o programa Renda Brasil e ameaçou dar "cartão vermelho" a quem propuser congelamento de aposentadorias. A fala do ministro Paulo Guedes, durante evento online, defendendo o presidente, as reformas e o rigor fiscal, e dizendo ainda que o cartão não era para ele, jogou um pouco de água na fervura, mas ainda assim não evitou que as taxa fechassem em alta. Com o quadro interno mais tenso, o mercado acabou por se descolar do bom humor externo. As taxas curtas, mais uma vez, ficaram de lado nesta terça-feira, com o mercado em compasso de espera pela decisão da quarta-feira, 16, do Comitê de Política Monetária (Copom).

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2027 avançou de 6,923% para 7,02%, fechando acima 7% pela primeira vez desde 28 de maio (7,05%). A do DI para janeiro de 2022 subiu de 2,813% para 2,87% e a do DI para janeiro de 2023 fechou em 4,15%, de 4,064%. O DI para janeiro de 2025 terminou com taxa de 6,03%, de 5,934% no ajuste anterior, acima de 6% pela primeira vez também desde 28 de maio (6,11%).

"Até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra Renda Brasil. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final", afirmou Bolsonaro, em vídeo postado no Facebook no período da manhã, no qual também se disse surpreendido por manchetes de jornais sobre o programa poder ser bancado com o congelamento de aposentadorias e pensões.

O fato de o governo desistir do programa não é mal visto pelo mercado. Ao contrário, diante da dificuldade em se encontrar uma fonte de receitas é considerado até um alívio. "Ao tirar o Renda Brasil da mesa acredito que abra espaço para a discussão de temas mais urgentes da agenda legislativa e isto pode ser mais eficiente", disse o economista-chefe da Necton Investimentos, André Perfeito.

O problema, como já notado em outras ocasiões, é a forma como isso foi divulgado. "A parte positiva é que o governo parece que não vai fazer programa assistencial maior a qualquer preço. Mas a forma de Bolsonaro se comunicar é negativa", endossou o gestor de renda fixa da Sicredi Asset, Cassio Andrade Xavier, lembrando que não é a primeira divergência entre a Economia e Bolsonaro em função do Renda Brasil.

Segundo apurou o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), a ordem do presidente chegou à equipe econômica na noite desta segunda-feira, em cima da hora da etapa final de elaboração do programa, e irritou os membros. O clima azedou pois os técnicos já estavam em uma fase avançada dos estudos, debruçados em cálculos e propostas considerados tecnicamente defensáveis.

Guedes tentou colocar panos quentes – "o linguajar, os termos do presidente são sempre muito intensos" – em participação "Painel Tele Brasil 2020", no qual ainda afirmou que o "cartão vermelho" de Bolsonaro não foi direcionado a ele. "O mercado entendeu que o alvo é o Waldery, que ontem falou sobre isso em entrevista", disse o estrategista de Mercados da Harrison Investimentos, Renan Sujii, referindo-se ao secretário especial de Fazenda do Ministério, Waldery Rodrigues.

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