No monólogo Simplesmente Clô, Eduardo Martini vive o estilista Clodovil

O estilista, apresentador e político Clodovil Hernandes (1937-2009) era o tipo de homem que inspirava tudo, menos neutralidade, e as reações que ele provocava iam da devoção ao medo e à repulsa. Dono de um humor ácido, suas tiradas tanto podiam ser brilhantes como constrangedoras. "Clodovil era uma personagem dúbia: não é tão ruim quanto queriam pintá-lo, mas também não era uma Irmã Dulce – era só um homem comum que tentou fazer um monte de gente feliz, sendo ele mesmo muito triste", observa o jornalista e dramaturgo Bruno Cavalcanti, autor de Simplesmente Clô, monólogo que estreia no dia 20, no Teatro União Cultural.

Estrelado e dirigido (ao lado de Viviane Alfano) por Eduardo Martini, o espetáculo traz o inventário da vida e das criações de Clodovil ao longo de mais de 40 anos de carreira, quando apresentou criações pioneiras na moda, conquistou o sucesso na televisão e teve êxito em seu primeiro mandato como deputado federal – ao mesmo tempo, recupera lembranças de sua vida e fatos pouco conhecidos do público.

"Sua vida e carreira não são necessariamente os protagonistas da peça", explica Cavalcanti. "A brincadeira aqui é apresentar a linha constante de seu pensamento. A história da mãe que o rejeitou de primeira e depois o amou muito – e foi a pessoa que ele mais amou na vida -, a rivalidade com Dener Pamplona, o gosto por garotos de programa, o voyeurismo, tudo já se sabe. Na peça, o foco é o que pensa e como pensa, como ele deu vida a essa figura extremamente dúbia, dividida, humana, cidadã, que defendia veementemente uma crença e depois deixava de acreditar, voltava atrás e a vida seguia."

Nascido em Elisiário, então distrito de Catanduva, no interior de São Paulo, Clodovir (seu verdadeiro nome, um erro do cartório devido ao sotaque do pai adotivo, um comerciante espanhol) iniciou a carreira de estilista no final da década de 1950, consagrando-se nacionalmente nos anos 1970, época em que dividia o estrelato da moda com Dener Pamplona de Abreu (1937-1978). Em seu ateliê, Clodovil defendia a importância e o fortalecimento da moda brasileira no cenário internacional.

"A real virtude dele como estilista era ter a consciência de que nasceu, cresceu e viveu em um país pobre, de terceiro mundo e incapaz de erradicar a extrema pobreza", continua Cavalcanti.

"Clodovil tinha uma consciência social que se refletia em seus atos como estilista. Quando a recessão atingiu picos alarmantes após a redemocratização, ele veio com o prêt-à-porter, que não era só uma forma de produzir e vender roupas com preços mais acessíveis, mas a chance de empregar centenas, talvez milhares de pessoas em um momento em que o Brasil atravessava um recorde de desemprego. Clodovil vestia Cacilda Becker e Elis Regina com o mesmo prazer que vestia qualquer outra cliente. Ele sabia que o objetivo não era que o vestido ficasse bem no corpo de uma pessoa, fosse modelo ou cliente, mas que a pessoa ficasse linda dentro daquele vestido, que sua autoestima fosse valorizada."

Nos anos 1980, Clodovil tornou-se de fato conhecido pelo público ao participar da equipe de apresentadores do TV Mulher, programa matinal da TV Globo dirigido ao público feminino. Em seu quadro, ele lia cartas enviadas por mulheres que buscavam dicas e sugestões de vestuário. Ao responder, Clodovil desenhava ao vivo os modelos, desde vestidos de festas até roupas ideais para o trabalho. Foi ali que também se tornou nacionalmente conhecido seu gênio irascível, fazendo comentários ácidos quando alguma atitude o incomodasse. "Assim é a TV: juntar informações que façam o público se sentir o mais inteligente do mundo. Mesmo que não seja", dizia ele, que acumulou demissões em quase todos locais de trabalho após fazer observações racistas, sexistas ou misóginas.

"Ele era uma figura absurda no sentido mais teatral da palavra", comenta o dramaturgo. "Era homossexual conservador com traços reacionários, mas, ao mesmo tempo, defendia os direitos de casais do mesmo sexo; era uma pessoa considerada tóxica na mesma medida que mexia – na maioria das vezes positivamente – com a autoestima das pessoas e buscava fazer o bem, fazer com que as pessoas ao redor se sentissem confortáveis; e era um homem sem medo do poder, que enfrentou políticos e, ao mesmo tempo, era frágil."

É nesse caldeirão de emoções contraditórias, algo típico de qualquer ser humano, que se apoia o espetáculo. "Clodovil era tão amado quanto odiado pelas pessoas, não tinha meio-termo. Não fugimos disso. A ideia é mostrar essa personagem tão rica e contraditória sem jamais buscar uma redenção. Ele não gostaria disso", comenta Eduardo Martini, que conheceu o estilista.

Em seu trabalho de composição do personagem, Martini fez uma pesquisa apurada, "sempre apoiado na verdade que ele punha nas suas ideias sobre qualquer tema. Ninguém é totalmente mau ou totalmente bom. Ele era um ser humano com uma inteligência elevadíssima, um senso de humor que poucos entendiam e, por ter sofrido muita rejeição quando criança, atacava qualquer um que o olhasse de maneira duvidosa".

Distante da imitação, Martini pretende homenagear Clodovil – para isso, realiza uma pesquisa diária sobre os movimentos das mãos, os olhares, as poses, a forma como ele andava e pensava. O estilista – que se tornou o primeiro homossexual assumido a se eleger deputado federal, em 2006, quando usou frases irônicas na campanha, como "Vocês acham que eu sou passivo? Pisa no meu calo para você ver…" – era também dono de um peculiar estilo de falar. "Não é fácil falar um texto com aquela rapidez e ainda dar o entendimento para quem escuta", conta o ator.

Em cena, o espetáculo terá vestidos originais, desenhados pelo estilista, mas, devido às restrições sanitárias por causa da pandemia do novo coronavírus, uma exposição com a obra completa de Clodovil, prevista para a temporada, foi adiada.

SERVIÇO
SIMPLESMENTE CLÔ
Teatro União Cultural
Rua Mario Amaral, 209. Tel.: (11) 3885-2242. Sáb., 21h. Dom., 19h. R$ 70. ESTREIA 20/11

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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