Para MP e ativistas, plano fundiário ‘legitima’ grilagem

O plano do governo para a regularização fundiária de mais de 97 mil propriedades na Amazônia foi criticado por representantes do Ministério Público Federal e especialistas em meio ambiente, que veem como falho o monitoramento das áreas apenas por meio de satélites. Já a bancada do agronegócio defende a medida e quer ampliar o uso do recurso para áreas maiores, além dos quatro módulos fiscais (cerca de 280 hectares) que serão especificados inicialmente em decreto do Ministério da Agricultura.

"Se verdadeira, pois de tão absurda não parece ser, qualquer iniciativa do governo federal no sentido de vir a titular áreas invadidas e griladas na região amazônica, ou em qualquer outra parte do território nacional, é lesiva ao meio ambiente e ao patrimônio público, além de manifestamente ilegal, devendo ser firmemente combatida", disse o subprocurador-geral da República Nívio de Freitas Silva Filho.

O subprocurador, que também integra o Conselho Superior do Ministério Público Federal e a Câmara de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, acrescenta que "não se combate o desmatamento fomentando-o através da legalização do produto do crime" e que "as constantes iniciativas de flexibilizar as normas de proteção ambiental ou legitimar atos de violação ao meio ambiente e do patrimônio público são a causas primeiras desta situação de descalabro a que chegamos, com vergonhosos recordes de desmatamento".

Especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama, Suely Araújo chama a atenção para o fato de que o governo parou com as regularizações em 2019. "Como o governo vai conseguir fazer isso com o Incra sem pessoal suficiente? Como vai controlar o uso de laranjas para regularizar ocupações?", questionou. "Esse teatro pode gerar consequências perversas, com o estímulo a novas ocupações, na expectativa de regularização futura."

Apesar de o governo justificar que a titulação de terras ajudaria a enfrentar o desmatamento ilegal na Amazônia, ao identificar os donos das terras, especialistas afirmam que a maior parte dos problemas com queimadas e extração irregular acontece hoje em áreas como unidades de conservação ambiental e terras indígenas, onde estão as madeiras mais nobres.
Para a pesquisadora do Instituto Imazon Brenda Brito, há fragilidades no processo de regularização. "É comum, na Amazônia, pessoas fazerem o fracionamento de grandes áreas, com o uso de outras pessoas como laranjas, para apresentar posses de até quatro módulos. Uma vistoria remota não consegue captar isso, por exemplo."

O presidente do Incra, Geraldo Melo Filho, nega que a estratégia possa incentivar novas ocupações irregulares. "Há um marco temporal estabelecido, que é 2008, já temos uma lei em vigor que nos permite fazer esse trabalho e temos dados que permitem aferir detalhadamente a situação de cada propriedade. A medida corrige passivos das últimas décadas, é uma ação do Estado brasileiro", afirmou Melo Filho.

Já a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o programa ficará concentrado inicialmente em três Estados da Amazônia Legal, mas não revelou quais. "Estamos escolhendo alguns estados para começar essa regularização. Depois, com o projeto de lei (da regularização fundiária) sendo aprovado pelo Congresso, nós teremos ainda mais agilidade para fazer essa regularização, com mais do que quatro módulos", disse ela, após reunião do Conselho da Amazônia.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Congresso declarou que, "desde que o governo federal tenha segurança constitucional para realizar a regularização dessas áreas de até quatro módulos fiscais, não há irregularidade".

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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