A Corregedoria Interna da Polícia Civil (Coinpol) realiza nesta terça-feira, 14, a maior operação de combate a quadrilhas que praticam aborto no Brasil. Até as 16h, 57 pessoas foram presas por envolvimento no esquema, sendo seis policiais civis, três policiais militares, seis médicos, um bombeiro militar, um sargento do Exército e dois advogados. Cinco membros da suposta quadrilha já estavam detidos por outras investigações.
Medicamentos, uma série de documentos e R$ 532 mil em dinheiro, entre notas de reais e dólares, também foram apreendidos. Na casa do médico Aloísio Soares Guimarães, apontado como um dos chefes da quadrilha, foi encontrado um extrato de uma conta na Suíça com pelo menos US$ 5 milhões. De acordo com o delegado Felipe Bittencourt do Vale, a primeira anotação criminal de Guimarães por aborto foi em 1962.
A quadrilha era dividida em sete núcleos, cada um com uma clínica, a maioria delas com endereço fixo. Diversos integrantes da quadrilha têm passagem por dois ou mais núcleos. “As clínicas eram independentes, cada uma com área de atuação bem definida e não competiam entre si, até porque a demanda era maior do que a oferta. Algumas clínicas chegavam a limitar a quantidade de abortos por dia”, disse a polícia.
A quadrilha agia na capital e poderia estender a atuação para cidades da Região Metropolitana Fluminense. Menores de idade pagavam mais caro e os valores poderiam chegar a R$ 7,5 mil por procedimento, dependendo da fase da gravidez. Nas investigações, os policiais identificaram que uma menina de 13 anos foi submetida a um procedimento abortivo. Também há casos de mulheres que passaram por microcirurgias em abortos tardios (até sete meses de gestação).
Cada núcleo faturava até R$ 300 mil por mês. Somente na clínica de Bonsucesso, os policiais encontraram documentos que identificam cerca de dois mil abortos realizados entre outubro de 2012 e esta terça. A receita acumulada ultrapassa os R$ 2,7 milhões.
“A sensação de impunidade e a alta lucratividade fazia com que eles continuassem com os procedimentos abortivos”, explicou o delegado Vale.
Grávidas de outros Estados também eram atendidas, sempre em locais sem condições mínimas de higiene e salubridade, expondo a integridade física e a saúde das mulheres. Alguns procedimentos eram realizados nas casas de integrantes da quadrilha para dificultar o trabalho policial. Depois de realizado o procedimento, eram feitas revisões médicas para que as mulheres não procurassem clínicas públicas ou particulares em caso de complicação, pois o aborto poderia ser constatado.
“Essas pessoas construíram verdadeiras fábricas de aborto. Os tratamentos abortivos eram desumanos e os locais eram açougues humanos”, disse o delegado Glaudiston Galeano, que também responde pela operação. A médica Ana Maria Barbosa, por exemplo, foi presa pela primeira vez em 2001 e denunciada pelo Ministério Público do Rio por praticar 6.352 abortos.
“Eles (os médicos) largaram a (prática legal da) Medicina e passaram a praticar procedimentos abortivos”, afirmou o delegado Vale. A exceção era o médico Carlos Eduardo Pinto, que exercia a Medicina na cidade de Cruzeiro, em São Paulo, e praticava abortos no Rio.
Operação
Ao todo, serão cumpridos 75 mandados de prisão preventiva e 118 de busca e apreensão. Até agora, 37 mulheres denunciaram os procedimentos ilegais. Todos os envolvidos serão denunciados por estes 37 procedimentos. “A legislação ainda vê essas mulheres como criminosas, mas há mecanismos jurídicos para que aquelas que cometeram aborto e querem contribuir com as investigações não respondam criminalmente”. Essas mulheres não estão entre as denunciadas e a polícia pediu que elas recebam perdão judicial.
A investigação que deflagrou a Operação Herodes durou 15 meses e gerou um inquérito policial com 56 volumes e 14.108 páginas.
Participam 70 delegados, 430 agentes da Polícia Civil, 150 viaturas e apoio da Corregedoria Geral Unificada (CGU), da Corregedoria Interna da Polícia Militar e do Exército Brasileiro. Há equipes atuando também no Espírito Santo e em São Paulo para cumprir os mandados expedidos pela 4ª Vara Criminal da Comarca da Capital.
Casos
No dia 26 de agosto, a auxiliar administrativa Jandira Magdalena dos Santos Cruz, de 27 anos, saiu de casa para fazer um aborto em uma clínica clandestina em Campo Grande, na zona oeste do Rio, e desapareceu. Ela estava grávida de três meses. O corpo foi achado em um carro carbonizado.
Jandira levou um tiro na cabeça e, para dificultar a identificação, a quadrilha retirou a arcada dentária e cortou os dedos da mulher. Foi necessário fazer um exame de DNA.
Até agora, pelo menos nove pessoas foram presas e indiciadas por homicídio qualificado, aborto, ocultação de cadáver e formação de quadrilha. Entre os detidos, está o falso médico Carlos Augusto Pinto, citado nesta operação.
Em 21 de setembro, a dona de casa Elisângela Barbosa, de 32 anos, morreu no Hospital Estadual Azevedo Lima, em Niterói, na Região Metropolitana. Ela saiu de casa na véspera para interromper uma gestação de cinco meses em uma clínica clandestina e pagaria R$ 2,8 mil pelo procedimento. Na noite do dia 21, ela chegou ao hospital, mas não resistiu ao sangramento e morreu pouco tempo depois. Em seu útero, os médicos encontraram um tubo de plástico, possivelmente usado para fazer a sucção do feto.
Este caso não está incluído na Operação Herodes, no entanto, será investigado pela Polícia Civil para identificação de todos os envolvidos.