Estadão

Putin diz, em entrevista a Tucker Carlson, que os EUA devem negociar sobre a Ucrânia

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, trabalhou durante décadas para conquistar aliados no Ocidente, utilizando as suas agências de espionagem para interferir nas eleições e destacando diplomatas para construir ligações com políticos amigos do Kremlin.

Na quinta-feira, 8, o mundo testemunhou um capítulo novo e prolixo nesses esforços: a entrevista de duas horas de Putin, gravada em uma sala dourada do Kremlin, com um dos comentaristas conservadores mais proeminentes e mais polêmicos dos Estados Unidos.

Em entrevista a Tucker Carlson, antigo apresentador da <i>Fox News</i>, Putin apelou aos Estados Unidos para "fazerem um acordo" para ceder o território ucraniano à Rússia, com o intuito de acabar com a guerra. Ele procurou apelar diretamente aos conservadores americanos no momento em que os legisladores republicanos estão travando um pacote de ajuda econômica à Ucrânia, com a justificativa de que é preciso lidar antes com problemas domésticos, como a imigração, uma das bandeiras do possível candidato republicano à Casa Branca, o ex-presidente americano Donald Trump.

"Vocês não tem nada melhor para fazer?" disse Putin em resposta à pergunta de Carlson sobre a possibilidade de soldados americanos lutarem na Ucrânia. "Há problemas na fronteira, problemas com a migração, problemas com a dívida nacional." Ele prosseguiu: "Não seria melhor negociar com a Rússia?"

Grande parte da entrevista constituiu uma lição histórica sobre a reivindicação da Rússia sobre terras da Europa Oriental, a partir do século IX. Putin opinou sobre inteligência artificial, Genghis Khan e o Império Romano. Ele também expôs as suas justificativas para invadir a Ucrânia, afirmando que o objetivo da Rússia era "parar esta guerra" que ele afirma que o Ocidente está travando contra Moscou.

Mas Putin foi mais direto do que o habitual sobre como vê a sua invasão na Ucrânia terminar: não com uma vitória militar, mas através de um acordo com o Ocidente. No final da entrevista, Putin disse a Carlson que tinha chegado o momento de iniciar conversas sobre o fim da guerra porque "aqueles que estão no poder no Ocidente perceberam" que a Rússia não será derrotada no campo de batalha.

"Estamos prontos para este diálogo", disse Putin.

<b>Tucker Carlson</b>

A entrevista, realizada na terça-feira, 6, foi a primeira de Putin com um meio de comunicação ocidental desde o início de sua guerra em grande escala na Ucrânia e a primeira com um meio de comunicação americano desde 2021. Embora Putin tenha participado regularmente de entrevistas com grandes emissoras dos EUA durante as suas duas primeiras décadas no poder, o seu porta-voz disse que o Kremlin escolheu Carlson desta vez porque esses meios de comunicação tradicionais assumem "uma posição exclusivamente unilateral" em relação à Rússia.

A divulgação da entrevista na quinta-feira (8) ocorreu após dias de grande expectativa na mídia estatal russa, que documentou cada passo de Carlson em Moscou – até os cheeseburgers duplos que ele teria pedido em um antigo McDonald s. A agitação revelou a aspiração contínua do Kremlin de apelar ao público ocidental, apesar das ameaças intermitentes de Putin de usar armas nucleares e da detenção pela Rússia, no ano passado, de um jornalista americano, Evan Gershkovich.

Putin abordou ambos os assuntos na entrevista, aparentemente procurando sinalizar que Moscou e Washington podem negociar. Ele disse a Carlson que a Rússia não tinha interesse em atacar países no flanco oriental da Otan. "Não temos interesse na Polônia, na Letônia ou em qualquer outro lugar", disse Putin.

Carlson pressionou Putin a libertar Gershkovich, o correspondente do <i>Wall Street Journal </i>que a Rússia prendeu no ano passado por acusações de espionagem que o jornal e o governo dos EUA negam veementemente. Putin disse que "o diálogo continua" sobre o destino do jornalista, insinuando que o Kremlin aguardava uma oferta favorável dos Estados Unidos para libertá-lo como parte de uma troca de prisioneiros.

<b>Perguntas de Carlson</b>

Carlson não fez uma única pergunta sobre os ataques da Rússia a cidades ucranianas, que mataram milhares de pessoas. Não houve menção às alegações de crimes de guerra enfrentadas pelo líder russo ou à deportação forçada de crianças ucranianas. Também estiveram ausentes as questões sobre a ampla repressão política da Rússia aos críticos de Putin ou as longas penas de prisão impostas aos russos comuns que organizam protestos contra a guerra.

Em vez disso, Carlson colocou questões cada vez mais esotéricas – incluindo se algum líder mundial poderia ser um verdadeiro cristão – e por vezes pareceu incitar Putin a promover teorias da conspiração.

Em vários momentos, quando Carlson tentou intervir, foi repreendido pelo presidente. "Eu vou te dizer, estou chegando a esse ponto. Esta história está chegando ao fim. Pode ser chata, mas explica muitas coisas", disse Putin em tom condescendente.

Refletindo sobre a entrevista, Carlson disse que o início da entrevista o apanhou de surpresa, com "uma história extremamente detalhada que remonta ao século IX da formação da Rússia".

"Não tenho certeza do que pensei da entrevista. (…) Vou levar um ano para decidir o que foi isso", disse Carlson em vídeo publicado em seu site. "Putin não é alguém que dá muitas entrevistas. Ele não é bom em se explicar, mas ele claramente está passando muito tempo em um mundo onde não precisa se explicar."

<b>Ucrânia</b>

A aparição de Putin sublinhou a sua confiança em explorar o momento desfavorável para Kiev, que enfrenta dificuldades no campo de batalha e não recebeu o pacote de ajuda militar e econômica de Washington, que está travado no Congresso americano. Além disso, Putin está otimista em relação a uma possível volta de Donald Trump a presidência dos EUA. Carlson não perguntou sobre Trump na entrevista.

Putin participou da entrevista em seu "melhor momento", afirmou Tatiana Stanovaya, pesquisadora sênior do Carnegie Russia Eurasia Center ao <i>The New York Times</i>.

O objetivo atual de Putin, disse Stanovaya, parece ser garantir um acordo de paz com a Ucrânia que cimentaria o controle da Rússia sobre o território que já capturou e instalar um governo mais próximo do presidente russo em Kiev. Mas, para conseguir este objetivo, Putin parece acreditar que precisa que os Estados Unidos exerçam pressão sobre a Ucrânia para que ocorram negociações sobre o fim da guerra.

"Você deveria dizer à atual liderança ucraniana para parar e sentar-se à mesa de negociações", disse Putin. Minutos depois, acrescentou: "Esta mobilização interminável na Ucrânia, a histeria, os problemas internos – mais cedo ou mais tarde, resultará num acordo". (Com agências internacionais).

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