David Bowie foi uma das grandes perdas da cultura pop em 2016. Um ano depois de sua morte, volta ao cinema seu primeiro filme, O Homem Que Caiu na Terra, de Nicolas Roeg, o mesmo de Inverno de Sangue em Veneza. O longa volta ao cartaz quando Bowie completaria 70 anos de idade.
Com tudo isso, é possível que desperte atenção nos fãs do astro pop e também naqueles que desejem imergir no mundo da ficção científica dos anos 1970. Nesse sentido, não se pode negar ao trabalho de Roeg o sentido do clima de época.
Sente-se no longa a presença de temas e atitudes que empolgaram aqueles anos loucos – mensagens ecológicas e críticas ao poder das corporações; ao mesmo tempo, visual lisérgico e chegado ao kitsch em determinados momentos.
Traços que se acentuam num gênero no qual liberdades em relação ao realismo são não apenas toleradas como desejadas. Bowie faz um alienígena que, de maneira literal, despenca na Terra logo nas cenas iniciais. Contrata um grande advogado de patentes e mostra alguns projetos para deixá-lo de boca aberta. Thomas Jerome Newton (é o nome que adota) trouxe de seu planeta uma tecnologia avançada que, lançada no comércio local, vai lhe proporcionar boa grana. Esse acúmulo de capital lhe serve para tocar o plano de conseguir água para seu planeta, que sofre uma seca atroz. Lá, ele deixou família.
Em sua passagem pela Terra, o humanoide conhece algumas pessoas. Entre elas, o cientista Nathan Bryce (Rip Torn) e a empregada de hotel Mary Lou (Candy Clark), que por ele se apaixona. Em mais uma característica dos anos 1970, o filme contém várias passagens eróticas ousadas, algumas cortadas de versões que chegaram na época ao circuito comercial.
Erotismo, exotismo, história original (tirada do romance homônimo de Walter Tevis, que também assina o roteiro), nada disso é suficiente para suprir algumas carências. Em primeiro lugar, certa irregularidade da história, que apresenta várias passagens obscuras e sem sentido. Em tempo: não se trata daquele tipo de obscuridade buscada para reforçar a aura de mistério. E nem da ausência de sentido utilizada como recurso de narrativa, como faz a arte surrealista, por exemplo. Tudo parece mais fruto de um trabalho fragmentário e pouco depurado.
Os efeitos especiais são capítulo à parte. Desde a chegada do alienígena à Terra, literalmente despencando em cima de um lago, entramos no domínio do precário, com luzes e explosões pouco plausíveis. Alguns cenários parecem sobras de um filme de Roger Corman (que também trabalha com sobras, porém de maneira criativa). Aliás, Roeg foi diretor de segunda unidade de Corman em A Orgia da Morte, por exemplo. Os figurinos são passáveis para os anos 1970. Mas a história, em seu todo, não convence.
Seu tema nuclear seria o da cobiça dos homens, que inviabiliza soluções e conduz o mundo à catástrofe. O plano de Newton seria viável, mas esbarra nesse imponderável da condição humana não previsto pelo alienígena. Há, portanto, um tom melancólico que acaba percorrendo a história, não isenta de um sentido britânico de humor.
Bowie tem atuação discreta e conforma-se com o low profile talvez buscado por Roeg para seu personagem. Diz-se que, na época, o astro tinha problemas com drogas e o diretor optou por uma atuação linear como forma de mantê-la nos trilhos.
Em todo caso, em sua irregularidade, O Homem Que Caiu na Terra vale ser visto por Bowie e como documento de uma época bastante colorida e que sofria a ressaca da politizada década anterior.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.