Mundo das Palavras

Um homem

Coluna semanal do jornalista, doutor em Comunicação Social e professor Oswaldo Coimbra

O que torna uma pessoa capaz de se destacar em mais de uma profissão? Esta é a pergunta óbvia que se formula quem conheceu a incrível versatilidade de Ruy Fernando Barbosa. Advogado, ele terminou seus dias aposentado como analista judiciário de Tribunal Regional Federal.

 Ruy, contudo, foi um jornalista brilhante em publicações de diversas áreas de especializações nas quais quase sempre terminou ocupando o cargo de redator-chefe: Veja, Quatro Rodas, Playboy etc. Seu orgulho maior, como jornalista era o de ter sido repórter da revista cuja existência criou a fase áurea da Grande Reportagem Impressa, no Brasil:  Realidade.

Depois, Rui mudou de mídia. Instalou-se nas emissoras de televisão. E na Tv Globo paulista inventou o formato do telejornal Bom Dia, São Paulo, origem dos programas semelhantes espalhados, depois, pelo país inteiro. 

A certa altura destas atividades nos meios de comunicação de massa, ele foi convidado pela Universidade Estadual de Londrina-UEL a montar sozinho uma Faculdade de Jornalismo. Usando a experiência de docente que começara a acumular em aulas ministradas na Faculdade Cásper Líbero, ao longo de dois anos e meio, Ruy montou o programa do curso da UEL, preparou seus primeiros concursos para contratação de docentes, tornou-se seu primeiro chefe de departamento de Jornalismo. E ainda criou uma editora para a universidade.

Depois, deu um salto inesperado para o campo da Psicologia. Graduou-se na área e, em São Paulo, adquiriu especializações em Psicanálise e em Psico-Oncologia. Em New York, foi obter formação em Analise Bioenergética. Passou a atuar como psicoterapeuta profissional, e chegou a supervisor do Programa de Doenças Afetivas do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina.

De vez em quanto, Ruy juntava duas de suas especializações. Psicologia e Jornalismo, no Canal Futura e na Revista Cláudia onde atendia telespectadores e leitores angustiados com questões afetivas. Jornalismo e Direito, na TV e Rádio Justiça, de Brasília, onde exerceu o cargo de coordenador.

Mas Rui tinha também voz bonita. Adorava cantar e compor. Com estes outros predicados se apresentou em espetáculos noturnos em bares paulistas, ao lado do cartunista Paulo Caruzo. Chegou a compor, a pedido de Augusto Boal, músicas de humor destinadas a um show que o diretor de teatro ia montar para Ari Toledo.

Diante de tantas atividades empreendidas com êxito por ele, há, entretanto, uma outra pergunta menos óbvia a ser feita por quem conheceu as circunstâncias nas quais Ruy viveu os seus últimos 11 anos. Pois, em 2002, Ruy perdeu partes de ossos, uretra e próstata ao ser atingido no quadril por uma bala perdida, no Rio de Janeiro. Teve de passar por 16 cirurgias. Enfrentou o desespero e a solidão próprios dos tratamentos hospitalares prolongados. Só aos poucos  reaprendeu a andar, apoiando-se em andador, muletas e bengalas.

Quando retornou às suas atividades, porém, surpreendeu os amigos. Sua inteligência e seu humor estavam intactos, pareciam mais refinados ainda. Assim como sua conhecida alegria, seu equilíbrio e sua empatia. Atendia seus clientes, como psicólogo, como se tanto sofrimento físico não tivesse afetado em nada seu ânimo.

Há menos de um ano, Ruy morreu. De embolia pulmonar, poucos dias após se submeter à décima sétima cirurgia para extração da vesícula.

Dele ficaram imagens no Youtube. Ruy, bengala ao lado, canta suas músicas de humor. E revela seu grande amor à vida e às pessoas.

De onde tirava tanta força este homem estranho e encantador? Esta é a outra pergunta que ele nos deixou.    

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