Portanto confesso não ter um paladar aguçado para os pratos oferecidos a preços exorbitantes em nossa repetida cozinha custeada pela Petrobrás. Mas devo admitir que vez por outra surgem pratos saborosos e nutritivos, caso do excelente “Estômago”, filme de estreia do diretor Marcos Jorge, que define muito bem seu filme como: “Uma fábula nada infantil sobre poder, sexo e gastronomia”.
O herói ou anti-herói desta fábula é Nonato, um dos milhares de nordestinos que chegam às metrópoles para arriscarem uma vida melhor e acabam por descobrirem que nesta selva de pedra ou se devora ou se é devorado. E já que a lei é gastronômica, Nonato então se torna cozinheiro e descobre aos poucos seu talento nato para esta profissão, tal qual o ratinho Remy do excepcional Ratatouille da Disney-Pixar, de quem aliás Marcos Jorge emprestou algumas pitadas de tempero para engrossar seu caldo, exagerando um pouco mais no sal do que os tradicionais pratos adoçados da Disney.
A receita praticamente é a mesma, afinal ambos (Nonato e Remy) sofrem preconceitos, são desmerecidos, envolvem-se em amores praticamente impossíveis e acabam no final dando a volta por cima mesmo com todas as adversidades, mas já que não estamos em Paris – infelizmente – e muito menos num bistrô cinco estrelas comandando por um rato chefe de cozinha, vamos nos ater ao nosso mundo de botecos sujos com coxinhas saborosas e cantinas pretensiosamente elegantes chefiadas por estrangeiros famintos por nossa diversidade sexual.
A ascensão profissional de Nonato é narrada pelo mesmo, de dentro de uma prisão, mas o que ele faz ali e porque está preso você só saberá se chegar ao banquete final da história sem ter uma indigestão alimentar, pois a variedade de pratos oferecidos é grande e difícil recusar. Com um roteiro que mistura ingredientes como comédia, drama, sexo, humor, um elenco afiado, receitas culinárias adversas e outros elementos temperados com bons diálogos e tudo muito bem cozinhado e facilmente digerido, o cozinheiro nos conta o que aprendeu sobre vinhos, queijos, pratos e sobremesas especiais e, claro, sobre o amor e suas drásticas consequências.
A grande metáfora deste filme talvez seja a ordem antropofágica que rege o mundo onde comemos e somos comidos, literalmente ou simbolicamente. Talvez nossas vidas sejam como a visão de Woody Allen sobre a natureza, a qual ele considera apenas um gigantesco banquete onde você devora e será devorado – ao menos até quando as regras desta lei estiverem ao seu favor. Caso você não entenda, convide Darwin para um almoço e ele pode explicar melhor do que se trata.
Num país como o nosso – onde a fome de alimento vive em constante companhia à fome de cultura – come-se farinha e cacto pra enganar o estômago e se alimenta de TV e música barata pra enganar o cérebro. Mas nossa desnutrição perene permanece e nos mantém enfraquecidos, porém nunca deve nos tirar a fome de vencer e de se reservar o nosso lugar na grande ceia. Portanto para que isto ocorra alimente seu espírito, pois ele é seu suplemento para suprir estas deficiências.
Leia bons livros, conheça pessoas interessantes, ame de verdade, sorria, se alimente de cultura e de informação para que a dor de estômago ao menos seja aliviada. Ah, antes que eu me esqueça, claro, veja bons filmes, pois são ótimos alimentos para a alma. O prato da semana está servido. Bom apetite! A propósito, não esqueça os dez por cento do garçom. Agradeço!
Maurício Nunes é autor do livro Sob a Luz do Cinestar e também mantém o blog www.programacinelandia.blogspot.com