O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve a retroatividade da contribuição ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) pelo produtor rural. A Corte validou a cobrança em julgamento de março de 2017, mas precisou enfrentar recursos contra essa posição em sessão plenária desta quarta-feira, 23.
Produtores rurais e suas entidades representativas pediam que os ministros estabelecessem um marco temporal para a cobrança sobre o Funrural, uma vez que, em 2010, o pleno do STF desobrigou o empregador rural de recolher o tributo. Na visão dos produtores, há uma contradição da Suprema Corte entre os julgamentos do ano passado e de 2010.
O vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Pedro de Camargo Neto, explica que, para quem conseguiu uma liminar para não pagar o tributo, a incidência será cobrada desde o ano em que a pessoa entrou na justiça. Para aqueles que não questionaram o pagamento ao Funrural, a dívida retroage em até cinco anos da data em que o produtor é citado pelo governo.
Votaram contra os recursos os ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Se posicionaram a favor do marco temporal na cobrança do tributo, a partir de 30 de março de 2017, os ministros Edson Fachin, que abriu a divergência, a ministra Rosa Weber e o ministro Marco Aurélio Mello. O decano da Corte, ministro Celso de Mello, não estava na sessão de hoje.
Para Camargo Neto, que lamentou a decisão do STF, houve uma lentidão inaceitável para a análise do caso, uma vez que a lei declarada constitucional em 2017 foi sancionada em 2001. “É uma grande falta de segurança jurídica. Justiça lenta não é justiça”, disse o vice da SRB.
Em sua visão, os produtores agora deverão tratar sobre o passivo no âmbito do legislativo, uma vez que no judiciário a questão está resolvida. Mas não há grandes expectativas com o parlamento, levando em consideração as contas do governo e o ano eleitoral, comentou Camargo Neto.
O vice da SRB também discordou do que disseram alguns dos ministros na sessão desta quarta, de que os pleitos beneficiariam apenas os grandes produtores. “As grandes dívidas são dos frigoríficos, mas também há cooperativas, de pequenos produtores, que têm um grande passivo”.
Para aguardar a decisão do Supremo, o governo chegou a prorrogar o prazo de adesão ao programa de parcelamento de dívidas de produtores com o Funrural. O prazo ia até 30 de abril, mas foi prorrogado até o fim do mês de maio.
Julgamento
A mobilização dos produtores rurais começou quando, em março de 2017, por maioria, os ministros votaram a favor de um recurso ajuizado pela União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que havia afastado a incidência da contribuição.
A decisão em torno do recurso ganhou repercussão geral, ou seja, passou a valer para todos os casos. Mas como, sete anos antes, ao julgar outro recurso, os ministros desobrigaram o pagamento, as entidades consideram que há uma mudança jurisprudencial da Corte, sendo necessária a definição de um marco temporal em torno da cobrança – o que foi negado hoje.
Com a sinalização de 2010, dizem os embargantes, instâncias inferiores da Justiça passaram a dar liminares autorizando produtores e adquirentes de produtos agrícolas a não recolher o tributo.
Os ministros Moraes e Barroso, que fizeram votos mais longos, destacaram que em 2017 foi declarada valida uma lei de 2001, que não era a mesma analisada em 2010. Lá, o plenário declarou inconstitucional o artigo 1º da Lei 8.540, de 1992. Em 2017, foi reconhecida a validade, e portanto a constitucionalidade da cobrança, de um trecho da lei 10.256, de 2001.
“O STF nunca havia se manifestado sobre essa lei de 2001. Ninguém pode afirmar ter certeza de que a lei era inconstitucional sendo que o Supremo não havia se manifestado sobre ela”, disse Barroso. Para Moraes, não há sentido em modular decisão sobre uma lei que “vem sendo cumprida desde 2001”. “Fazer modulação seria favorecer aqueles que não contribuíram”, disse o ministro.
Barroso ainda ressaltou a sanção da lei que institui o Programa de Regularização Tributária Rural (PRR) no início do ano. “Em última análise, criou-se um benefício expressivo e relevante aos contribuintes que fizeram uma aposta, perderam, e agora precisam pagar”, afirmou sobre o “Refis” do Funrural.
Durante o julgamento, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, afirmou que a decisão tomada hoje pelos ministros terá impacto sobre aproximadamente 20 mil processos, que estavam aguardando a deliberação do STF.