Estadão

Não fazer nada é perpetuar os privilégios brancos e o racismo

Coca-cola, Magalu e Gerdau têm muitas coisas em comum, mas, além de serem grandes empresas atuantes no Brasil, são algumas das 47 signatárias do Movimento pela Equidade Racial, o Mover, formalizado em junho deste ano. Na figura de seus CEOS, essas empresas se comprometeram a gerar 10 mil vagas de alta liderança para negros até 2030. As companhias contribuem com quantias de R$ 250 mil a R$ 500 mil por ano (de acordo com o porte da empresa).

Para 2022, o Mover já tem R$ 15 milhões, a serem empregados em cursos, ações de letramento,eventos e oferta de vagas, e dessa forma ajudar a reduzir a distância que separa negros de altos cargos executivos. Segundo pesquisa do Instituto Ethos com as 500 maiores empresas do Brasil, apenas 4,7% dos altos cargos são ocupados por profissionais negros.

De acordo com Marina Peixoto, diretora-executiva do Mover, "a luta pela igualdade racial tem de ser de todos", independentemente do grupo social. "Tenho privilégios, como a maioria das pessoas brancas. E justamente por termos esse privilégio temos a responsabilidade de mover a estrutura", afirma. "Fazer nada é corroborar com perpetuar esses privilégios, com perpetuar esse racismo."

Executiva com quase 20 anos de Coca-cola e norteando sua carreira pela agenda do propósito, após ter uma filha diagnosticada com síndrome de Down, passou a atuar com diversidade e inclusão. Em novembro do ano passado, lançou o movimento pela equidade racial reunindo 13 empresas e, em junho deste ano, o Mover foi formalizado juridicamente, já com 47 corporações.

Há pouco mais de dois meses Marina se desligou da Coca-cola para estar em tempo integral à frente do movimento, que conta com outros diretores e cerca de 200 voluntários, entre as signatárias e parceiros, como o ID_BR (Instituto Identidades do Brasil). Para que o Mover funcione, pontua Marina, o envolvimento dos CEOS é crucial. Assim, há encontros mensais com eles, além de reuniões com conselheiros e outras lideranças. Confira trechos da entrevista.

<b>Como se sente sendo uma mulher branca liderando um movimento pela igualdade racial no mercado?</b>

A luta pela igualdade racial, assim como a luta por uma sociedade mais justa, tem de ser de todos. Na questão racial, todos temos lugar de fala, só que são lugares diferentes. Eu não vou ter a perspectiva de uma pessoa negra que passa pelo racismo. Eu vou ter a perspectiva de uma pessoa branca que teve, sim, seus privilégios. E justamente por termos esse privilégio temos a responsabilidade de mover a estrutura. Se hoje os cargos de liderança ainda são ocupados por pessoas brancas, cabe a elas tomar decisões com busca pela igualdade. O racismo é estrutural e precisa de solução estruturante e, para mexer a estrutura, é preciso das pessoas que estão hoje no poder, que são brancas. Se a gente não faz nada, fazer nada é corroborar com perpetuar esses privilégios, com perpetuar esse racismo.

<b>Isso não quer dizer que vocês vão trazer pessoas negras para o movimento.</b>

Exato. A gente não quer ser um movimento de pessoas brancas construindo ações para pessoas negras. A gente sempre falou de fazer "com", e não apenas "para". Hoje, como está a nossa governança? Em relação aos CEOs, ainda são majoritariamente brancos e majoritariamente homens. Temos três CEOs que se autodeclaram negros, entre as 47 empresas que fazem parte do Mover.

Na nossa governança, temos uma assembleia de associados, formado por CEOs – brancos. No Conselho Deliberativo, temos seis CEOs e três pessoas da sociedade civil, que são pessoas do movimento negro, para termos essa visão de fora do mundo empresarial e também trazer representatividade negra para a tomada de decisão. Não podemos citar ainda nomes, pois estamos registrando tudo em cartório.

Ter visões complementares foi uma preocupação que a gente desde sempre quis construir. Ter um olhar do terceiro setor, um olhar da Academia, um olhar do empreendedorismo, um olhar mais de inovação, formando uma lente multidisciplinar também.

No dia a dia executivo, somos eu e outros dois diretores, que são pessoas negras, Carlos Domingues (Pepsico) e Hellen Andrade (Nestlé). A partir disso, formamos comitês estratégicos em cima de cada pilar de atuação, para gerar 10 mil posições de liderança até 2030 para pessoas negras.

O comitê de ações internas, por exemplo, vai ajudar a criar as diretrizes, garantir que todas as empresas participantes estejam fazendo censo demográfico, treinamentos, letramento. E o comitê de ações externas está conectado com o pilar de capacitação e empregabilidade, para formação com bolsas de estudos, de graduação. Ao mesmo tempo, a gente também tem que mudar as políticas de recrutamento e seleção, para que se tenha uma linguagem mais inclusiva e processos que mitiguem os vieses inconscientes.

<b>Como pode ser feita a conexão com o mercado de trabalho?</b>

Não é só a conexão com as 47 empresas do movimento, mas queremos ser um grande conector com toda a cadeia de valor, com fornecedores, com clientes. Tem uma parcela de profissionais com gap de formação, sim, mas por outro lado a gente também tem uma parcela da população negra extremamente capacitada, com alto nível de formação, que não está chegando nas empresas. E daí a empresa fala: Ah, eu não encontro (profissional negro). É porque não está procurando no lugar certo.

Com esse comitê de capacitação a gente vai ajudar a formar aqueles que tenham essa diferença de formação, que não tiveram a mesma oportunidade, mas por outro lado também conectar com quem está ali já na porta do gol, para quem falta fazer só essa aproximação.

Neste ano, estivemos no AfroPresença, evento do Ministério Público do Trabalho com o Pacto da ONU, ofertamos 300 e poucas vagas selecionadas das 47 empresas, a maioria para cargos de liderança. Também fomos para a Conferência Juntos, da McKinsey, e ofertamos 400 e poucas vagas, além de 100 bolsas de estudos da Descomplica, uma das nossas associadas, e tivemos 70 e poucos voluntários das empresas para formar o programa de mentoria da McKinsey, que será dado a profissionais negros.

No Fórum ID_BR, na sequência, foram cerca de 700 vagas, algumas exclusivas (para negros) e outras intencionadas, muitas para cargos de gerente e diretor. Agora queremos lançar no próximo ano no nosso site um Classificados com oferta de vagas para aproximar cada vez mais as empresas dos talentos negros.

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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