Estadão

Peça premiada, Gagarin Way une o protesto ao bom humor

Caso morasse em São Paulo, o dramaturgo escocês Gregory Burke, de 54 anos, teria grandes chances de ser amigo do diretor Mário Bortolotto e contabilizar garrafas de cervejas nos bares junto da turma do Cemitério de Automóveis. O autor, que até agora era inédito nos palcos brasileiros, trabalhou como lavador de pratos e se mantinha com serviços temporários até o teatro virar uma fonte de renda.

Sua primeira peça, <i>Gagarin Way</i>, escrita em 2001, foi aclamada no Festival Fringe de Edimburgo daquele ano, faturou uma série de prêmios e, montada em mais de dez países, aliviou as finanças de Burke – sem, no entanto, mexer com suas convicções. A temática de sua obra permanece relacionada às desigualdades sociais e ao cotidiano de personagens entre a opressão e a violência.

Foi o ator e artista plástico Carcarah quem apresentou o texto para Bortolotto. "Li e achei que tinha tudo a ver com o nosso trabalho, porque é uma peça que mostra pessoas sem perspectivas em um sistema em que nem o socialismo e nem o capitalismo deram certo", ressalta.

<b>PRESENCIAL</b>

Crítico, violento, de forte carga política, mas sem perder o bom humor, Gagarin Way está em cartaz na sede do Cemitério de Automóveis, na Rua Francisca Miquelina, 155, na Bela Vista, com apresentações de quinta a domingo, até o dia 18. É o primeiro espetáculo inédito e presencial do grupo em três anos. A história é ambientada em uma região que carregava uma resistente tradição socialista. A queda do Muro de Berlim e a implantação de grandes indústrias na área, porém, definharam a economia e a esperança das famílias menos abonadas.

Gary (Bortolotto) anda cansado e deprimido. Pai de três filhos, o operário arrasta um casamento fracassado e põe na cabeça que precisa desafiar os poderosos locais em nome da retomada dos ideais socialistas. Para isso, sequestra Frank (Nelson Peres), membro da alta administração, com a cumplicidade do amigo Eddie (Carcarah) e do sonhador Tom (Daniel Sato).

Para Bortolotto, a dramaturgia de Burke dialoga fortemente com o atual momento do Brasil, em que metade da população se despede eufórica do atual governo e deposita esperanças excessivas no mandato do futuro presidente. "A falta de perspectivas bateu forte entre todos nós e, claro, precisamos nos apegar a alguma coisa, mas eu me considero anarquista, não acredito em partido político nenhum", diz.

Como artista, Bortolotto garante que está acostumado a tirar leite de pedra e que os sucessivos cortes na área da cultura são o que menos o incomoda nas políticas públicas. "Inaceitável é ver as pessoas passando fome, vasculhando lixo em busca de comida, e tanta gente fazendo de conta que nada está acontecendo."

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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